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segunda-feira, 2 de julho de 2007



Essa é a primeira edição do Susi Não Anda Sozinha, webzine feito sem nenhuma pretensão, intenção [e muito menos escrito por quem é são], atualizado de 15 em 15 dias.
Iniciamos nossa jornada na selva de pixels tentando ressaltar o colorido de cinco jovens corações ávidos a deixar suas impressões sobre tudo o que os assola no cotidiano da metrópole.

Então puxe sua cadeira, pegue o que quiser na geladeira e comemore com a gente, pais orgulhosos, o primeiro passo da nossa criaturinha.

Divirta-se!

Críticas, elogios, dicas, convites e propostas relacionadas a amor e emprego são sempre bem-vindos.

Compressa

Mesa, cadeira, computador, telefone e, em frente, uma janela. Circunscritas a tudo isso, paredes que se estreitam como se um magnetismo atraísse seus cantos para o ponto central do cômodo.

Constantemente preciso me encurvar evitando a pressão desse concreto que impossibilita a realização do menor movimento para, então, escrever às cegas, pois a mobília interceptou o caminho existente entre eu e minhas palavras. A partir do momento que saem de mim já as tenho por perdidas, escondidas por entre entulhos que lhes tiram qualquer vestígio de importância.

A imensa janela é lacrada para justificar o ar artificial que respiro; é fétido e meus pulmões insistem em resistir a sua entrada gelada e densa. Persianas brancas tentam cobrir toda a extensão da única abertura para ver o mundo legítimo, já que a porta de vidro só revela um corredor escuro, com uma tímida porta que leva às escadas, por onde circulam os elevadores histéricos e cheios de má vontade.

Contorcida ainda consigo ler um livro, o qual tenho grande dificuldade de omitir das vistas de seres alheios que passam por mim. A leveza de seu caminhar evidencia que não sentem a compressão da sala pelas paredes, andam despreocupados ou talvez nem percebam mais. Já se tornou cotidiana. Mas do meu hábito ainda não faz parte; lembra até fase de jogo de estratégia na qual o impossível deve ser feito em período limitado e espaço que se restringe de acordo com o cronômetro recessivo. Ainda não excedi suficientemente esse prazo dada a sintonia entre o movimento dos cantos da sala e o relógio sempre atrasado.

No último minuto as paredes me liberam e voltam para seu devido lugar, acumulando força magnética para o nosso próximo dia.

Porta fechada

De repente tem tanta gente aqui. Olho para o lado e vejo rostos. Milhares deles. Sorrisos os que tive e os que chegam a cada segundo. Minha vida é guiada a novidades. A cada andar encontro uma coisa esquecida no chão dessa cidade. Ando de cabeça baixa procurando elos perdidos no chão. O meu elo. Aquele que me prega ao meu passado e sustenta meu futuro. O presente me presenteia com a saudades. Uma saudade fina que evito matar. Ela me alimenta de passado e não deixa eu me perder nesta bagunça que é aceitar os sonhos. Ando cada dia mais para longe. Cada dia um pedaço do meu sonho sendo moldado sem massinha. Ele vai no susto, busca abrigo em algumas casas que mantém a porta fechada. Fico ali tomando chuva, braços cruzados, grudada a sua porta. Você está lá dentro. Não abre porque não me quer aí dividindo os seus fantasmas. Eu também nunca quis ninguém aqui. Maldita idéia procurar a sua porta nesta noite fria. Deixei o guarda-chuva pendurado na cadeira do bar fazendo companhia para o meu juízo.

Não sei o que me deu, quando resolvi acreditar que este sonho vai acabar em um lugar bom. Guiado por uma calma desesperadora que arrancarei no dente com mais problemas. Sempre arranjo alguma coisa para me preocupar. E desta vez é a sua porta fechada. Um pedaço de teto entre a rua e a sua porta. Me espremo fugindo da chuva e do seu medo que bate nas paredes. Ele também quer vir até mim. Mas você, um saco de ossos recheado de carne, tem medo. O seu medo entrava todo o futuro. Qualquer que seja o futuro. A sua mão escondida nas suas costas e o seu sorriso sádico nunca estiveram no meu sonho. E quem disse que o sonho condiz com a realidade, não te conhecia.

Saio na chuva. Braços abertos, rodo na praça fria e solitária, abro a boca para sentir o gosto dessas gotas. Rodo, rodo, rodo e a roda dá vida me leva. As gotas da chuva e o sal das minha lágrimas misturadas. Um gosto bom. O meu gosto. O gosto das minhas verdades. O meu sonho que toma forma a cada dois passos. A faculdade. As músicas. A procura por algum trabalho. Tudo. O eu queimo no inferno da solidão. Algumas pessoas. Sempre tem algumas aqui para salvar os dias e me arrancar sorrisos. Tem as que me matam com a dor fina da saudade. E as que chegam anunciando um carinho gratuito e enorme.

Cansei. Cansei de toda a alegria que todo mundo finge. A vida faz sentido enquanto rodo, com a boca aberta sentindo cada gota na ponta da minha língua. Tudo faz mais sentido quando há dor aqui. Alegria é calmaria frígida. E tudo que é frigido me acomoda. Ainda tem muito sonho me esperando. E muitas portas fechadas com um pedacinho de telhado para me proteger da chuva. Se você abrir a porta eu entro. Bebemos. Conversamos e quem sabe escrevemos as palavras que vivem grudadas na nossa cabeça. Mas o seu medo é maior. Você é maior que ele. Mas prefere manter a porta fechada. Me acomodo na praça. Os pés brincando um com o outro. Acompanhada dos meus mortos que me olham lá de cima. E sorriem. Eles sorriem porque eu não desisto. Jamais desisto. Prego minhas palavras na vida, enquanto elas se pregam em mim. Sou uma mulher vestida de realidade pintando a ficção. Sou eu e isto me basta. Sou minha e isto é o que me importa. É assim que é. E assim que será. Até. Até o dia que tiver que ser.

Caminhos e escolhas

Para chegar até aqui já passei por muito. Quem não tem a pretensão de ser médico, veterinário ou dentista, desde criança, sempre passa por muito. Tudo começou quando eu tinha cinco anos. Eu fazia balé, e até gostava. Um dia minha mãe me deixou na porta da escola. Eu toquei a campainha, bati na porta, e nada. Sentei na calçada e esperei por uma hora e meia. Quando chegou para me pegar, minha mãe lembrou que a escola havia ligado dizendo que tinham mudado de lugar. Tarde demais, meu primeiro sonho frustrado. Parei de fazer balé. Eu não seria bailarina.

Lá pelos meus sete anos, estava na primeira série, e era dia das profissões. Todos deviam ir fantasiados com trajes da sua profissão dos sonhos. Entre presidente e professoras estava eu. Botas, calça preta colante, e chapéu. Durante a apresentação, eu, muito tímida como sempre, comecei: - sou uma amazona. “Talita, explica para os seus coleguinhas o que faz uma amazona”. – pediu a professora. “Ela pula de cavalo, ué.” Simples, pessoal.

Aos 18, com o fim do ensino médio, e ainda perdida quanto a minha futura carreira, fui sorteada e ganhei uma orientação vocacional (talvez sabotagem da escola, tendo em vista minhas crises quanto à profissão). A primeira pergunta foi sobre a minha visão de futuro, e a resposta foi simples: viajar, viajar e viajar. Mas ser aeromoça sempre esteve fora dos meus planos. “Complicado.” – me disse a orientadora. Sim, sim, disto eu já sei. Ao final do processo, veio o veredicto. “A Talita será uma ótima arquiteta.” Ãhn?

Um ano de cursinho, e comecei a fazer direito. É, direito! Dessa vez eu tinha me achado. Adorava todas as aulas, menos as que envolviam o bendito do direito. Eu me via encaminhada profissionalmente. Seria juíza, aos 25 anos, um arraso.

Mas acalme-se, ainda não acabou. Não, não. Após um ano e meio de curso, a chance dos meus sonhos apareceu. Ser babá, morar com estranhos e sofrer de saudades... na Alemanha! Óbvio que estes não eram meus objetivos, mas sendo na Alemanha, larguei tudo e fui.

Morei um ano por lá. Conheci pessoas e lugares fantásticos. Aprendi a bendita língua alemã, que dizem levar uma vida para ser aprendida... pelo menos eu já comecei. Durante esse tempo todo, descansei da minha paranóia profissional. E voltei decidida: continuaria minha faculdade e seria advogada.

Voltei em julho de 2006. Em Novembro prestava vestibular para Jornalismo.

Uma pessoa com sólidas aspirações, apesar do destino insistir em meter o bedelho no meu caminho.

Além do sorriso

Eu não sabia o que era, mas usava seu sorriso para medir as coisas. E quando eu pensava no quanto eu gostava dela, o sorriso ultrapassava em números zilhonários os 32 dentes que compõem um sorriso normal.

Era tão fácil a observar no exercício do cotidiano e nas diversas formas com que tratava assuntos divergentes de qualquer clicherismo. Seu cheiro permanecia comigo e, se eu pudesse, o carregaria num frasco de vidro amarrado no pescoço. E era simples o dia quando media a primeira visão através daquele brilho.

Num dia de muitos sorrisos, eu era o mais feliz indivíduo. E que vida! Era como carregar peso nenhum e absorto na falta de gravidade agravada, eu dançava no ar apenas com ela e aquele meu ponto fraco.

Juntos voávamos, passávamos dentre os prédios e depois de cortar o vento pulávamos de novo pela janela adentro, a música ficava tênue e nós poderíamos nos afundar num colchão com edredon, chá, brigadeiro, filmes e a certeza de que tudo estava completo.

Não duraria mais de uma dia, uma tarde quase noite, ou coisa que o valha. Sabíamos que a canção do dia-a-dia se tornaria mais densa e nos separaria trazendo o drama irremediável das obrigações. Mas sabíamos, também, o que era importante e, fazendo jus ao título de sonhadores, prevíamos o próximo ato onde o reencontro era de emocionar qualquer platéia.

E éramos só nós de novo dançando, agora colados, até as luzes baixarem e as palmas anunciarem que o que ali foi feito, era de amor e respeito.
Era o sorriso imenso e a calmaria de um sentimento latente e sólido.

domingo, 1 de julho de 2007

A morte bem vivida

Sabia que não era sozinho, mas sentia-se assim, como que perdido em uma vida da qual não fazia parte e não sabia como fugir. Aspirava mudanças de vontade própria que de um salto transformassem sua vida, passando de espectador a protagonista.
Acordava às seis horas todo dia, vestia sua roupa planejada de pessoa responsável e ia trabalhar. Cumpria seus deveres rotineiramente, salvo quando algo extraordinário do ofício o chamava que realizava da mesma forma.
Não era uma pessoa de pensamentos estranhos, pois até eles seguiam uma rotina equilibrada, tudo em sua vida tinha uma ordem.
Um dia no trajeto ao trabalho pensou em algo incomum, dentro de um ônibus abarrotado de gente, teve um lampejo na sua rotina, uma idéia lúcida e achou que tudo estava errado.
Ele, seu emprego, sua vida, aquele ônibus, as pessoas. Faltava lógica, emoção e ali dentro com as pessoas sem sentido ao seu lado de testemunhas, jurou a si que sua vida seria diferente. Deu o sinal e desceu feliz com sua decisão e animado com a possibilidade de mudança em sua vida.
No seu percurso ele tinha que atravessar uma passarela, que era ponto freqüente de assaltos, mas não ligava porque nunca tinha nada de valor consigo e também nunca fora assaltado.
Em um dia que ele desejou mudanças elas chegaram invadindo tudo e foi tomado de assalto por dois rapazes que, armados, exigiam dinheiro em troca de sua vida. Com toda franqueza disse que não tinha nada por três vezes e sem que pudesse dizer pela quarta levou um tiro na perna, na parte interna da coxa, e ficou lá agonizando, até que foi socorrido.
Com os pensamentos inquietos não entendia como um tiro na perna podia deixar alguém tão mal e na ambulância, a caminho do hospital, escutou frases semi-cortadas como: não vai... sangrou muito...safena...então fechou os olhos e percebeu que estava morto.
Acompanhou seu corpo até o hospital e viu o medico marcar a hora da morte oficial as 7:37 mas faltou coragem de ver qual o procedimento com um morto e deixou seu corpo e foi aguardar na sala de espera.
Graças à organização que manteve em vida, em sua carteira encontraram seus documentos e localizaram facilmente a família, que recebeu a notícia com uma tristeza comedida.
Sabia que os preparativos para um velório são sempre penosos e cansativos, então por um resto de vaidade humana foi ao seu emprego imaginando o quanto sentiriam falta de sua eficácia, mas ao chegar lá viu em sua mesa o estagiário que sem dificuldade nenhuma e com a mesma precisão, realizava as suas tarefas. Desapontado ele quis morrer, mas já estava morto desde as 7:37 daquele dia.
Sem saber o que fazer foi para seu velório e ficou lá, sentado, olhando para si no caixão. As mãos de quem não fez nada grandioso, rosto mediano desvalorizado pelos chumaços de algodão que o nariz, mesmo morto, insistia em repelir.
Por um momento sentiu-se como aquele algodão, achou que sua alma era tão estranha a seu corpo, que o mesmo encarregou-se de repelir. Uma alma tão fraca que nem seu corpo a quis.
Tinha um punhado de familiares chorando e outros tentando trazer lembranças do bom homem que foi em uma vida de cabresto. Deixou seu corpo lá e foi dar uma volta, tomar um ar ao menos, já que ninguém iria oferecer um café.
Ao passar pela porta viu dois companheiros de trabalho e curioso pela presença parou ao lado deles, que fatidicamente, disseram as palavras que mudariam sua vida e sua morte: “Coitado, levou uma vida besta e terminou com uma morte besta”.
Ele saiu pasmo com a revelação tão simplória e tomando ar, percebeu que viveu morto. Voltou ao caixão, olhou para si e despediu-se daquele corpo. A vida fora para os outros, então, a morte haveria de ser sua e saiu determinado a viver sua morte como nunca viveu sua vida.