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domingo, 27 de julho de 2008

28ª Edição

Buenas, leitores [barulhinho de grilo],

esta edição está com um apelo musical, sentimental, experimental, dematarcompau e quantos "als" vocês conseguirem rimar.
Então aproveitem a boa música e curtam o show.

Ahh, e não percam as próximas edições, porque elas serão temáticas.
Cada membro meu dará um tema diferente para cada edição.

Beijo beijo, tchau tchau (acabei de inventar isso)!

Justiçando


Levantei a cabeça da mesa, babada na porção em frente ao monitor, para ouvir melhor os passos de alguém que se aproximava. Um pouco de atenção, compasso, intensidade, solado e eu já sabia quem era, por isso me preparei. Faltavam menos de cinco metros agora e eu estava pronta, como sempre, eu sabia exatamente o que deveria fazer.

O móvel em formato de L era voltado para uma imensa janela com vista para um cenário triste de concreto em obras, sem verde e sem vida. A porta ficava às costas do encosto e, do outro lado, estava um cúmplice encostado na parede oposta, voltado para a mesma paisagem sorumbática. Em silêncio, fomos coniventes com as intenções mútuas, que afloravam a cólera reprimida.


Um pé ultrapassou o limite inutilmente sugerido pelo batente da porta para a segurança do visitante e, então, começou o episódio que o faria se arrepender em breve. Um ataque amador, estimulado pelo gostinho ao improviso: canetas, grampeadores, estiletes, teclados em desuso, café quente, migalhas de biscoito, espirais de caderneta, clips e anotações, anotações e mais anotações contra a vítima.

A criatividade e o rancor movimentavam a cena, mas quanta influência do horrorshow diário era revertida para o martirizado! Um momento de libertação, já no fim do expediente, que talvez ainda fosse remunerado no fim do mês. Os assassinos mais mal pagos do mercado se exaltavam e satisfaziam como nenhum outro do ramo. É desse emprego que sempre estivemos atrás, uma integridade assalariada de conseqüências exorbitantes. Sem limitações.

Até amanhã.


* Imagem: Losing Your Head, de Riana Moller.

Sour Times

Primeiro ela tirou o esmalte vermelho das unhas e depois resolveu arrancar as próprias unhas. Olhava no relógio, mas o tempo insistia em ser clichê e não passar. Aquele telefonema avisando que ele passaria por lá para conversar era incomum demais, afinal o que era tão importante que não podia esperar até o final de semana?

Tinha algo estranho entre eles, algo que precisava ser consertado. Não era nada grave, porque ela tinha certeza que o amor que sentiam era maior que qualquer coisa. Cortou a unha do dedo mindinho esquerdo muito rente e percebeu que estava sangrando. Foi no banheiro lavar as mãos e a campainha tocou. Era ele.

Correu até a garagem e abriu o portão. Ela o beijou, mas não o sentiu. Entraram e sentaram no sofá.

- E aí? Está tudo bem com você? Estou curiosa – falou de forma descontraída tentando não demonstrar o medo que estava sentindo.

- Eu sempre fui sincero e direto com você. Prometemos não mentir ou enganar um ao outro, você se lembra desse nosso acordo, não lembra?

- Nossa claro que lembro. O que houve?

- Não posso mais continuar com você.

- Se você fez algo errado eu te perdôo, porque te amo demais e não vivo sem você – disse desesperada.

- Eu jamais ficaria com alguém que não amo, você sabe disso – ele disse com um olhar sério.

- O meu amor é o suficiente para nós dois. Eu posso te fazer um homem feliz – disse com um sorriso torto, resultado da mistura comum entre o amor e a dor.

-Quando eu digo "eu te amo" é para sempre - ela disse sentada no sofá.

-Quando eu disse "eu te amo" foi passado – ele disse indo embora, deixando a sala vazia.

Ela não o amava só com o coração, mas, também com o corpo, com a alma, com toda sua essência e aquela sinceridade tão brutal estraçalhou tudo o que ela era. Pensou que talvez a verdade fosse só uma forma absurda de ser infeliz e naquele momento queria a mentira que era o amor dele. Queria a mentira que precisava para ser feliz. O amor que só ela amou.

*Título de uma música do Portishead

Someday will be loved

Quando conheci você nunca imaginei que um dia fosse usar da minha fraqueza para te deixar. Você era o garoto com a verdade que os outros omitiam. Enganava os espectadores da vida com aparente inocência enquanto guardava para mim os seus segredos e vontades escondidas. Uma alma curiosa. Minha alma.

Naquela manhã tudo parecia demais. Os seus olhos brilhavam, as suas mãos encaixavam perfeitamente na minha, o seu toque era o meu, juntos formávamos uma melodia leve sem testemunhas. Fazer dos momentos, poesia, sempre foi a especialidade dos seus olhos. Mas era demais ficar.

Não posso fingir arrependimento, cada coração partido se remendará e um dia alguém te amará como amei. Como você nunca soube que seria amado. E as nossas lembranças poderão parecer mais sonhos ruins. Talvez você nunca vá entender os meus motivos e nem tão pouco posso te explicar.

Se você se sentir sozinho quando estiver adormecendo, olhe para o céu, procure a estrela mais brilhante, estaremos nela. O seu coração pertencerá a alguém que ainda está para conhecer e nesse dia será amado com a força que eu não pude te entregar. Mesmo que tenha amado cada doce palavra sua. Cada um dos mil momentos que chamamos de um. As músicas que desenharam nossa trilha.

Enganando as palavras e iludindo o futuro, te deixei com um bilhete, que dizia:


"someday you will be loved"

Na verdade,
tentei te deixar...

ps: O título e parte da idéia é dessa música do Death Cab for Cutie.

Tudo é muito bonito, mas sei lá

O mar estava sem ondas e o sol não estava tão quente. Era um fim de tarde de outono como outro qualquer. Na areia, todo o seu caminho percorrido em pedaços de pegadas que viriam logo se desmanchar entre os grãos, seus cabelos emaranhavam com o vento forte a seu favor. Tudo parecia a seu favor.

Estava diferente, percebendo cores e sorrisos. Se via no espelho d'água tão mais perceptível. Tudo parecia fazer sentido. Serenamente, deitou-se para ver o crepúsculo do sol e descobriu o quanto viver vale a pena. Não se sentia só naquele ocaso, e se sentia. Mais próximo de Deus.

Como as nuvens, seguiu seus passos lentamente de volta, sem mais zigue-zaguear em confusões. Tinha encontrado finalmente a saída do labirinto, a última peça do quebra-cabeça que havia perdido em suas desordens banzeiras.

Ouvindo canções lineares, desfez todo o caminho se jogando na areia, agitou o mar e ofendeu as estrelas ainda novas. Rasgou, mastigou e engoliu a peça que faltava, fechou a porta do labirinto se trancando do lado de dentro e apagou as luzes. Já não era tão belo seu sorriso, mas era muito mais sincero. Tudo é muito bonito, mas sei lá¹.


¹. Título de uma música do M.Takara

decadência

Em busca da imagem que procurava, olhei no espelho. Tinha esquecido há quanto tempo buscava ali o que certamente não encontraria. Só enxergava o reflexo das garrafas jogadas pelo quarto, a cama bagunçada, as cortinas fechadas. Enfim, o buraco em que eu vivia atualmente. A barba por fazer e o cabelo sujo denunciavam o tempo em que estive entregue a nada, nem ninguém. Uma jornada inútil rumo ao esquecimento.

Meu corpo estava molhado, os pesadelos tinham me acordado no meio da noite. Eles gritavam ao meu redor, ainda podia ouvir as vozes vindas de algum lugar dentro da minha cabeça. Eram reais. Minha mente se chocava com o inconsciente em busca de salvação. De algum modo eu buscava esperança e tentava me agarrar a algo sólido. Minha mente estava vazia, nada me segurava, eu caia. O fim do abismo estava próximo. Neste ambiente frio, seco e marcado por uma história infeliz, tudo o que se encontraria seriam desgraças e dores. Na minha cabeça, o desprezo era comandante de um corpo escravo cansado de viver.

A solidão me roubou as chaves da realidade e a consciência me negava a visão futura, um relance da continuação. O culpado pela sobrevivência era o mórbido prazer de planejar o fim. Meu estômago se contorcia com as infinitas possibilidades. Uma ampla gama de variedades para acabar com minha vida.

O ato final do espetáculo da minha vida foi sadicamente planejado. Ironias de um passado frustrante, um presente degradante e um futuro em paz.

_____________________________________________________________ Fim.

The same. But better.

Sabe, é muito ruim fazer as coisas sozinho. E desde que a casa tenha só minha presença e o som no último volume, eu me divirto. Mas não é a mesma coisa. Meu reflexo no espelho é a única forma humana que eu tenho visto e sujar os pés com a terra avermelhada do quintal não tem a mesma graça.

Ontem eu saí. Dei umas voltas com o meu irmão, que eu não via há algum tempo. Foi um bom momento. Eu sentei ao lado dele e de sua namorada enquanto a gente ouvia o som de uma banda ensaiada que tocava legal, até. Eu pensava e pensava e em vários momentos, aquela coisa me inspirou. Mas eu sabia que quando chegaria aqui e voltasse a dar o play no som e na minha solidão, as coisas piorariam.

Daí eu passei o dia todo me guardando para os prazeres efêmeros que eu tenho, quando estou sozinho. E acredite, nem andei pelado pelos cômodos dessa vez. Observei a tarde dançando comigo e me empolgando com as várias possibilidades de ter um dia bom. E o sol se foi. E eu olhei pro céu e lembrei daquele lance da lua ser a mesma aqui e lá, e aí, e em qualquer lugar.

Desci até a cozinha e abri aquela garrafa de vinho, guardada pra quando você viesse. Mas você dificilmente viria pra cá. Então, ela me fez companhia por algumas horas. Só algumas horas e eu estava olhando pro céu, novamente, procurando a lua onipresente que, veja você, se escondia essa noite.

Mesmo assim, coloquei na minha caixa de mp3 a música que move nossos pés enquanto estamos na sala, abraçados. Dei voltas no meu quarto e, sincronizado à ultima nota, a campainha tocou. Desci pra ver. Você sorria. Eu, já não era mais o mesmo.

Era novo.