-->

domingo, 4 de maio de 2008


A edição da velha piada [sem-graça] de bingo: dois patinhos na lagoa. E... BINGO!



COMENTEM!

Ps.: A tentativa falhou. Resolvemos abrir os comments dos textos e fechar o da Susi.
Portanto, já sabem, fiquem a vontade.

Aos que passaram

Na minha casa sempre apareceu tudo quanto é tipo de bicho, sempre foi meio incrível como aconteciam essas aparições. Chego a cogitar a hipótese de um código animal no qual eles identificam os bons lugares, sabe como é? Tipo as identificações de hotéis: quatro estrelas. Faça cara de coitado e ganhe comida e abrigo.

Teve uma gata que conseguiu leite e uma caixa de papelão com cobertor. Ela parecia uma colcha de retalhos, uma vira-lata cheia de cores, mas o que ela fazia mesmo era verificar a procedência da minha casa. Após dois dias ela apareceu com uma ninhada de cinco gatinhos bravos. Todos foram cuidados e todos morreram. Alguns insistiam em correr atrás das rodas dos carros (não eram muito espertos), outros sofreram pela covardia de um vizinho imbecil que os envenenou.

O motivo pelo qual esses gatinhos e a mãe não foram postos para dentro da minha casa, era que eu tinha uma outra gata, também com uma ninhada de seis filhotes. Essa era siamesa e chamava Madonna. Como uma boa gata, era arisca, tinha ótimos instintos e era linda. Nós duas fomos frutos de uma rejeição e nos encontramos nesse ponto.

Ela foi um presente para minha irmã e quando eu fiz quinze anos ganhei uma cachorra poodle, a Charlotte. Não era o que eu queria. A cachorra deve ter sentido minha rejeição e se afeiçoou a minha irmã. A Madonna ficou em segundo plano, assim como eu. Nós nos adotamos.

Teve um gato preto e branco chamado Sansão que era a coisa mais linda de se ver em um felino. Instintos aguçados, independente (ainda que sua independência estivesse em roubar comida na panela) e tinha a dose exata de arrogância que um bom gato deve ter. Eu e minha irmã o vimos na rua e trouxemos para casa com a mentira de que tínhamos tirado ele de um bueiro e que não tinha onde deixá-lo.

Teve o Tico, um cachorro que gastamos fortunas porque ele tinha problema respiratório. Era o cachorro típico, dócil, bobo e a procura de agradar seu dono. Mais uma vez eu e minha irmã que o achamos, a desculpa era que ele era maltratado pelo seu dono, mas isso era verdade.

Já tivemos aqui em casa hamsters, canários, tartarugas, cágados, papagaio, peixes, cachorros, gatos e até um camaleão que não tivemos coragem de manter , porque precisava de um lugar ideal.

Hoje são três cachorros e nenhum gato para minha infelicidade. Dois vieram da rua, o Tobias e o Leão e tem a Charlotte (a poodle que me rejeitou). Tem também os morcegos que alugam o pé de café durante a noite e os passarinhos que vem comer as frutas que meu pai coloca especialmente para eles. Em tempos modernos os animas não querem mais procurar comida e nos dias em que a minha preguiça é maior que a fome eu queria ser um deles.

Sem culpa alguma eu digo que sinto falta de quase todos os animais que já passaram pela minha vida e pouca de muita gente que passou. Porque os homens temem morrer e serem esquecidos e os animais não têm esse temor. Eles são. Somente isso.

A um terço do fim

Espremido em mais de três, lancei-me na vontade de resolver tudo o que os meus post-its anunciavam, colados no computador. Dei tantas voltas, que até duvidariam da minha sanidade. Mas eu explico. Penso demais, minha querida.

Penso nas coisas que um dia irão virar pó, e tenho medo se as voltas que dou agora, se estenderão por mais anos. Quantos deles? Até que tudo se resolva, até que meus pés sejam livres pra tocar a terra de um jardim e todas essas preocupações estiverem tão longe dos meus pensamentos. E tão mais perto de todo o caos que aqui espero abandonar.

A vida parece a velha que me sorri com escárnio, no canto da bar, quando se mostra sozinha e infeliz, provando que o batom borrado foi uma frustração de um amor ou um destino cruel a qual escolheu. Ela me aponta. Ri. "Você vai terminar assim, queridinho".

Eu viro o copo, bebo tudo até minha garganta arder. A dor parece menos. Dez. Minutos. Ao menos. Assim me sinto vivo. O cigarro me trouxe todos os clichês em um só trago. Eu sei o que eu peço. Sentir entre minhas pernas aquilo que a distância levou. Ela.

Quando o quarto vazio me faz perceber os espaços em branco, que larguei entre a semana de provas e a ausência dos abraços, eu me atiro na cama. Grito seu nome. Sento. Levanto. Mais um trago. Mais um copo. Todas a lembranças em um olhar vago na parede. A conversa com a Chan Marshall entre os cobertores. Os post-its caem. Eu adormeço. O tempo lá fora corre. Nublado. Eu me calo. Agora em três. Pedaços.

All the small things

Devagar pequena garota grande, olha esses caminhos que te levam pro mesmo lugar. Tanta ambição dentro de uma jovem garota que anda por essas ruas e vai aos mesmos lugares. Se já viu tanta coisa porque ainda existe o medo? Deveria ter prendido o receio há umas duas quadras atrás? Ali na frente pode conseguir o que quer ou só mudar o rumo...

Corre garota, anda mais rápido e derruba as coisas que não te interessam das prateleiras que você esqueceu. Quebra o passado em pedacinhos minúsculos. Abre mais espaço pro futuro. Sorri, você sabe que o problema dá vida é esse pesar sem fim.

Anda menina, veja esses prédios velhos e imagina quantas pessoas escreveram a sua vida aí dentro. Imagina as mentes brilhando em histórias sem fim, contemple a solidão dos outros e aproveite a própria companhia. Lembre da música e dos livros, os dois de mãos dadas com os seus passos, amarrados no seu all star.

Senta pequena mulher, tome um café com os seus pensamentos, pergunte sobre a sua saudades, diga a eles que a sua falta era misturada e que você não conseguiu distinguir as linhas das curvas. Conte que tem olhado muito para um lado só, sua visão se fechou ao futuro retilíneo e você já não cogita mudar.

Caminhe grande esperança, longe de todas as mentiras que contou aos pensamentos, e faça com a vida o descarte dos medos...

Nessa hora alguém te encontrará sorrindo, com as brigas guardadas e a saudades esquecida.

Brilhe o dia todo como as estrelas fazem nas noites de céu limpo nessa cidade inconstante.

Batom borrado


Ninguém precisaria queimar sutiãs na década de 60, indignado com as coerentes colocações de O Segundo Sexo¹, para se contextualizar no mundo em que a beleza feminina parece ser o seu único atributo relevante. O problema é mais atual do que nunca.

Ser mulher e ter opinião formada talvez só combine bem com uma loira maravilhosa de biquíni lendo uma revista qualquer, porque a perfeição e a sensualidade devem ser inerentes a ela muito mais que a inteligência ou o potencial. Tentar reorganizar a ordem destes fatores pode resultar em uma pessoa desinteressante e masculinizada.

O conhecimento é um diferencial cabível para algumas, mas a voluptuosidade é obrigatória para todas. Ser bonita é atividade para tempo integral e quantas mulheres não se rendem a isso? Ter uma estética atraente passa a ser a prioridade daquelas que esquecem que têm algum recurso no próprio intelecto.

A satisfação do homem contemporâneo, que para muitos é simplificada pelo conjunto ‘mulher bonita, cerveja e futebol’, estende essa concepção de acefalia a que todo gênero feminino ainda está subjugado. Um mero bibelô sexual completando as tardes vazias de domingo e que, muitas vezes, acata essa função de mediocridade.

Nenhuma mulher precisa estar bonita o tempo todo para os olhos de quem espera ver um mundo enfeitado. Nenhuma mulher precisa se contentar com adjetivos superficiais que remetem a sua aparência. Nenhuma mulher é só isso, e nenhuma deveria querer ser só isso.

Seios grandes são incapazes de reduzir a atividade cerebral. A feminilidade não é estética e as mulheres podem ser tão horrorosas quanto se permitirem. Mas imbecis e fúteis, não.


¹ O livro de Simone Beauvoir afirma que a desigualdade entre os sexos tem origem na construção social e não é biológica, como era alegado em meados de 1945. Foi uma das obras que impulsionaram o movimento feminista da década de 60, quase dez anos após sua publicação.


The Taste of Life

Eu olhava marcas novas no tecido cada vez mais velho. Vinte e uma marcas feitas sem precisão na única pretensão de excomungar o mal. Tudo começou no metrô, quando senti minha alma saltar de meu corpo, pegar um trem e ir para o outro lado (a propósito, ela deve ter levado minha carne também, porque eu me tornei tão inóspito e cinzento quanto São Paulo - mas não tão grande - e ninguém mais me percebe.)

Corro a minha procura, me encontro mas não me olho nos olhos. Sigo distante. Sigo pegadas nas paredes e teto. A gravidade é ignorada, ela pouco importa. Erroneamente deparo com o espectro de alguém prestes a morrer, como um espelho, e o gosto de doppelgänger¹ me arrepia os pêlos. A matéria é ignorada. Ela e eu. Eu, eu.

Todos temos nossa metade má. Eu me perdi em qual lado fica a minha, e machuco uma metade na esperança de afastar o mal. Eu não sei se a força que corta é a que exila ou a que produz a maldade. Se eu pudesse matar o mundo inteiro, eu faria. Mas estou ocupado demais tentando acabar comigo mesmo. Eu sangro o gosto da vida. Eu bebo e me engasgo.

Eu não sei em quem atirar. Eu só tenho uma bala, é hora de escolher. Em um dos lados eu acerto. Enfim, viverei uma metade em paz.












¹. Entidade do folclore alemão que se assemelha a um fantasma, mas trata-se de um espectro que é o duplo de alguma pessoa ainda viva. Diz-se que se alguém encontrar seu próprio doppelgänger, morrerá em breve. O termo também é usado como sinônimo de "sósia", geralmente com alguma conotação maligna.

pretérito perfeito

Sua imaginação sempre a levou onde gostaria de ir e montou as cenas em que gostaria de atuar. Interpretava a protagonista de um grande roteiro escrito em sua mente, criava lugares pelos quais rodava o mundo sem destino certo, sem futuro previsível. Fazia da vida conto-de-fadas, mas não se importava com o final feliz. O final viria depois, aproveitaria antes seu presente. A imaginação a levava até a Inglaterra, onde andava pelos campos gramados de Hampshire, com a seda de seu vestido a voar conforme o vento a alcançava; por vezes voltava no tempo e visitava a França do século XVI, se perdia em antigas ruínas enquanto ouvia sua trilha sonora previamente montada nos fones de ouvido; ou partia rumo à lugares desconhecidos: perdia-se entre cerejeiras orientais e procurava beleza em rostos de pó e carmim, vagava por vilas espanholas com o barrado do vestido vermelho a roçar o chão de areia; buscava novos olhos e outras mãos como a cigana romena; vivia e morria a cada raiar do sol.

De fantasia era feita sua realidade. Enquanto sonhava com o irreal espantava os pesadelos de sua vida. Fazia do insuportável mera obrigação, o viver era o detalhe que incomoda mas autoriza a satisfação. Em seu mundo particular criava cenários, montava diálogos e escolhia os personagens. Seu papel, a garota, era sempre o mesmo, sempre a mesma. Inocente, ingênua, fraca. Tinha a nítida impressão de que não pertencia ao mundo real. Seu romantismo exagerado era ridicularizado, nascera mulher de um século errado.

- O fardo de abrir os olhos me tortura. Nos minutos em que encaro a realidade me perco pelas vielas do real. Não sei andar pelo asfalto, desconheço o som da cidade, não respiro o mesmo ar dos que cruzam meus passos. Minha estrada é outra. Em algum ponto de minha vida fiz a escolha errada, segui pelo caminho contrário à sociedade. O escuro não me pareceu mais atraente, o desolado, o inconseqüente. Optei pelo meu vazio, meu claro vazio, este em que eu posso escrever e dar o rumo que seguirei. Pois só desse modo controlo minhas pegadas e prevejo os acontecimentos. Todos eles criados momentaneamente. Eu decido o trilhar. Nas minhas histórias posso não saber o passo a dar, mas em minha realidade, tudo o que encontrar, levará ao o meu fim. Adianto-o: aqui o tens.

Vagando pela Irlanda com os pés na areia de Dingle, enquanto o sol de inverno brilhava em seus olhos, deu seu último suspiro real. Continuaria a habitar outros mundos, não mais aquele ao qual não pertencia.