Não lembro de um bom nome para começar sintetizando o meu texto. É assim que gostaria de iniciá-lo, mas a palavra me fugiu agora.
Poderia falar de memórias com maior fluidez do que elas tiveram no momento em que aconteciam de fato; somente a denominação está perdida. Mas já não tenciono encontrá-la e em breve a razão para isso ficará evidente.
Ainda parece recente o dia em que a conheci e, poucos minutos depois, que admiti a importância daquela relação. Mais do que crianças que se vêem esporadicamente de acordo com o desejo de seus pais e brincam exaustivamente apenas por terem um interesse em comum, nós fazíamos isso conscientes do momento e de tudo que ele representaria mais tarde.
Sempre soubemos que a fotografia que nos retrata na escada do apartamento em Ubatuba na época em que tudo ao redor era terra e mato seria repetida alguns anos - e centímetros nossos - além. Era bem claro assim como as piadas desconexas que continuariam sendo engraçadas a cada ruído curioso ou objeto corriqueiro que nos remetesse àquele tempo.
Muitas lembranças que colaboraram para a construção desse sentido foram, no entanto, vítimas do tempo e tiveram seus detalhes dizimados por algumas outras que lhes tomaram o lugar. A essas intrusas eu não tenho tanto apego já que substituíram as quais eu faria questão de manter, mas nem por isso desmereço sua importância: me empenho em usá-las para recuperar as que mais interessam.
Não tenho orgulho dessa manipulação que faço da memória. Se não fosse tão necessária, garanto que não a faria. O fato é que há dias nos quais todo o tempo reflexivo é destinado àquilo que não há motivos para lembrar, enquanto as lembranças importantes ficam timidamente escondidas atrás dessas que parecem tão mais significativas. Não são. Eu perdi o controle do que consigo reter quando os acontecimentos triviais começaram a ocupar mais do meu tempo, independentes da minha vontade. Hoje eles tomam espaço demais em mim a ponto de nem a consciência dar conta de recordar dias tão marcantes e, logo, tão deslembrados.
As histórias que ouço como se fossem inéditas são contadas com tamanho entusiasmo que me entristece não conseguir agregar o meu ponto de vista ao de minha contadora de histórias, uma narradora-personagem, mas não onisciente como eu precisaria. Afinal tudo isso soa como recursos de literatura fictícia à espera de análises desta leitora que vos fala. Contudo, também sou personagem e quero conhecer a história que vivi de antemão.
A amnésia por vezes aparenta ser mero descaso e tem sido cansativo provar o contrário. Eu não desconheço por completo os fatos em questão, aliás, tenho a clara idéia da importância de cada um. Só me esqueço do que os fez tão importantes e, com isso, invalido quase todos os termos afirmativos usados aqui anteriormente.
Não é possível formar conclusão precisa sobre informações fragmentadas, pois receio mencionar algo que contrarie exatamente o que estaria contido na porção perdida. Nomear uma experiência sem pleno conhecimento sobre ela é tão incerto quanto arriscar que ela foi vivida plenamente.
Das noites em que permanecemos acordadas para conversar sobre qualquer assunto, eu ainda guardo cada vírgula do nosso discurso, cada timbre das risadas e até os suspiros que se seguiam ao choro. Já o medo sentido algum tempo depois de que aquelas pudessem ser as últimas, eu excluí tão logo pressenti a possibilidade de repeti-las e preencher as lacunas da minha memória que valham a pena.
A certeza de perda também é esquecida se eu ainda a tenho para me lembrar de tudo que não quero esquecer.