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quinta-feira, 23 de agosto de 2007


Chega um dia que a gente chega no dia. E cá estamos nós, em dia. Cravados 10 dias depois. Voltamos, mais cansados do que antes, mais irritados com a faculdade e todas aquelas obrigações da classe operária. Uma coisa que a gente se repete, com toda licença da causa, é garantir que isso é um prazer.

As novidades:

Olha ali do lado direito. Tá vendo? Não tá? Meu deus. Do lado direito. Umas coisas bonitinhas com pedaços dos escritores e seus belos nomes. Obra do nosso webMASTER bruno. Ainda tem mais umas coisinhas para funcionar ali, enquanto isso vocês vêem nossos pedaços e nomes.

E a segunda novidade. Tcharãm. Nesta edição teremos um convidado. Mais um futuro-jornalista. Daniel Braz. Ele é o primeiro de algumas pessoas que apareceram por aqui nesse futuro próximo. Como vai ser? Uma vez por mês, a príncipio, já perceberam que a gente muda de idéia? Convidaremos uma pessoa para participar. Ou essa pessoa se convidará.

Receberemos com prazer seus textos, receitas de bolo, convites de festas/peças/baladas/casamentos, desabafos e melhor, prometemos ser compreensivos e responder as pessoas com todo bom-humor das pessoas desse zine que não dormem. =)

O zine passa a ser de quarta e domingo. Uow, toda quarta E todo domingo? Não. Existe mais ou menos 10 dias de espaço. Assim oh: se o último post for em um domingo quer dizer que no domingo seguinte não terá susi, ohhh, e quando esse domingo de rescesso passar e a quarta chegar, eeee.
Entendeu? Quartas e domingos espaçados por dez dias. Em suma.

Divirtam-se. Critiquem. Elogiem. NÃO façam propaganda das suas camisetas, pode mandar pro email que a Camilla responde.

o emeio: susinaoandasozinha@gmail.com

Execrando um breve desvario

Lendo mais uma das trágicas notícias cotidianas de homicídio, me retive a um detalhe nada inusitado, mas ao qual nunca dei merecida atenção. Um rapaz de 15 anos, suspeito de assassinar um garçom no bairro dos Jardins, entrou em pânico após esfaquear a vítima e correu com a arma em mãos até embarcar na estação Consolação do metrô, sendo depois reconhecido por testemunhas e preso. A notícia explica que houve uma briga trivial entre o garçom e seus clientes, e que todos os rapazes do grupo - aproximadamente 5 - participaram da agressão ao funcionário. Mas um deles em especial desesperou-se ao vê-lo morto.

Para entender a sensação de arrependimento, seria necessário supor uma razão inconsistente para o homicídio. De fato, parece ter sido um furor que saiu de controle e não algo pré-meditado; contudo, me questiono se essas pessoas envolvidas no crime já haviam pensado sobre a tênue linha que divide vida e morte e a interferência crucial do homem em seu rompimento.

Autores como Dostoiévski e Nietzsche tentaram, magnificamente, justificar certas ações “ilícitas” com conceitos de absolvição pela História, a exemplo do caso de Napoleão, e de auto-superação, o ‘Übermensch’ ou ‘homem superior’. Nelas a atitude considerada infratora pelas regras sociais teria sua exceção enraizada na conveniência dos propósitos do assassino; ou seja, em algumas circunstâncias ela seria absolutamente perdoável.

Já no caso de exacerbação da violência, mostra-se mera delinqüência; despropositada no aspecto mais aprofundado que o homicídio pode admitir. Um ato desrespeitoso, enquanto irrefletido. Ainda que Raskolnikóv tenha me permitido alguma flexibilidade nesse conceito, carrego a tradicional e ultrapassada valorização da vida e continuo me surpreendendo com a existência da irracionalidade nos atos criminais. O maior assombro é, no entanto, considerar que um motivo para ela talvez aproximasse essas atrocidades de clemência.

A vazia promessa de tudo

Ela demorou 24 horas pra decidir.
Virava e apetecia, acendia um cigarro e lançava seu vago olhar ao longe, a cidade turbulenta não era nada naquela tarde.
Seu sonho era grande demais pra tudo aquilo, sua vida era pequena demais pro que desejava. Sua semana havia passado. Só ela parecia não ter notado sequer a mudança que os quase 7 dias trouxeram ao mundo, ou ao menos àquele instante.

Nos jornais as notícias previsíveis, sobre marcas de sangue jorradas em qualquer madrugada, estampavam as capas. Ela só soube disso há um dia atrás.
A vontade de preencher este vazio com qualquer outro alguém, fez da sua vida uma constante fábula, repleta de personagens.
Eles se escondiam alí, sentavam na cadeira, tomavam chá, a questionava sobre assuntos fictícios e sempre acabavam por terminar a conversa com algum comentário banal sobre o tempo.

Faltava pouco agora, e o coração parecia entalar na garganta meio à toda impaciência e fronte a toda resignação.
Em questões de segundos, parecia mergulhar em um transe, onde só os dignos de tempo e criatividade profunda eram capazes de atingir. Um nível elevado de desconcentração pro mundo. Uma forma de se fazer, alí, por excelência. Permaneceu. Até que o bater das asas de um passarinho desatento, que havia prendido sua pata em uma antena, foi capaz de despertá-la.
E ela ainda estava lá, falando com os queridos amigos, agora todos no sofá. Sentia falta de textura, cor, de tocá-los, mas sabia se contentar, como qualquer um se contenta com o que lhe é direcionado.

Na tentativa de sorrir, perdia sua magnitude, varria as migalhas e se colocava novamente às rédeas que o mundo fez com que lhe caíssem tão bem.
Era quinta-feira, e como se não deixasse de desejar que fosse a quinta em que sorriu de verdade, fechou a janela.

Enquanto o mundo corria entre os trilhos que o vermelho do sangue acusava nos jornais, ela esperava ao menos sangrar para se sentir viva de novo.

Jujubas, cutelo e um ônibus

Estava sentada, na verdade quase largada, no banco do ônibus voltando para casa depois de trabalhar.

Ouvia no meu Mp3 player a música Clandestino do Manu Chao e no momento em que terminei de cantar mentalmente “Solo voy com mi pena / Sola va mi condena / Correr es mi destino para burlar la ley”, notei um homem no meio do corredor.

Imagine um homem com corpo e rosto embrutecido, olhos profundos de quem viu o que não queria, jeito de quem fez o que é condenado por muitos, usava roupas largas, um casaco que poderia guardar mais que o necessário, calça velha e nos pés um par de chinelos com a bandeira do Brasil. Sua imagem assustava, garanto que teria medo se o encontrasse sozinha em outra situação.

Parado no corredor, já havia chamado a atenção de todos no ônibus antes mesmo de dizer qualquer palavra e disse:

-Bom dia pessoal.

-Eu não queria atrapalhar a viagem de vocês, mas será preciso – e fez uma pausa e eu juro, quase escutei os pensamentos dos demais passageiros gritando por socorro, ele continuou:

-Eu sou açougueiro, desossador e ex-presidiario – e fez mais uma pausa sombria, colocando as mãos no bolso do casaco e parecia procurar algo. Eu nessa altura, já imaginava ele com um cutelo e um assassinato em massa com sangue jorrando, enfim um acontecimento digno dos filmes do Tarantino.

Ao contrário do cutelo ele tirou balinhas, especificamente jujubas dos bolsos e eu respirei aliviada, pensando que minhas únicas preocupações seriam cáries e calorias indesejadas, mas nem isso se deu porque eu não tinha dinheiro,nem um vale transporte sobrando para comprar essas preocupações.

Ele fez o discurso já conhecido por muitos, mas a diferença era sua voz grave e uma entonação imperativa enquanto buscava um olhar que confrontasse o seu, mas não encontrou.

Não pude deixar de notar a imensa quantidade de pessoas que compraram as balas daquele homem e fiquei muito curiosa com essa boa vontade que ele causou naqueles passageiros que avidamente consumiram tantas jujubas para ajudá-lo.

E uma dúvida pairou no ar e ainda está sobre minha cabeça. O ato de ajudar aquele homem se deu pelo medo que ele causou nas pessoas? Compraram suas balas, para que ele fosse embora e levasse consigo a imagem de uma sociedade decadente?Pagaram para não ter que lidar com um problema ou foi pura boa vontade?Qual foi o motivo?Ainda não sei.

Eu não o vi mais no meu trajeto, mas gostaria muito, ainda que para rever a atitude das pessoas e talvez entender o ocorrido.

Tudo isso porque foi a primeira vez que vi um açougueiro, desossador e ex-presidiario causar tamanha comoção nas pessoas.

E segue Manu Chao tocando no Mp3: “Tu no tienes la culpa mi amor que el mundo sea tan feo / Tu no tienes la culpa mi amor de tanto tiroteo... en este mundo hay mucha confusion suenan los tambores de la rebelion...”.

I never got to tell you what i wanted to

A cerração parece denunciar o frio. Talvez as coisas congelem lá fora como acontece aqui dentro. O meu quarto respira minhas pendências. A bagunça e a vida toda enrolada em latas, cinzeiros revirados e roupas, nem todas minhas, denunciam a minha moral questionável. Erros e acertos. E de repente cada pedaço de lembrança congela uma parte do meu corpo. As minhas mãos que brincavam com seu ombro cheio de pintinhas. A gente brincando de ser criança enquanto questionávamos as verdades que essas pessoas compram.

Lembra, quando olhávamos o mundo dessa mesma janela, mas era os passarinhos do clube ao lado que víamos. Agora, só o frio e nenhum passarinho para cantar meus pensamentos. Você não sabe, mas eu ainda penso em você, tanto quando disse que estaria com você para tudo. Eu aguentaria as suas lembranças, se esse fosse o preço. Aguentaria seu desespero. Te daria colo e problemas, garoto. Te daria o meu coração para você pregar seus espinhos e depois deixar ele na minha mão todo furado, todo fodido. Mas, você me entregou ele antes, mais furado pela rejeição do que pelos espinhos que você pregaria.

Garoto, você deve estar aí olhando a sua janela e pensando essas mesmas coisas. Talvez, as escreva mais tarde. Garoto, como você consegue ser tantas palavras. Não só palavras, mas tantas e cansáveis palavras. Queria te sentir tão perto que os corações entrariam num mesmo ritmo. Seus olhos me seguindo enquanto escolho a música que iluminará seu rosto na minha cabeça pelos séculos seguintes. Garoto, porque você não aceitou meu coração?

Você me disse uma vez que se sentia parte do meu jogo. O peão que protege o rei e a rainha. Aqueles que estão na frente e são engolidos antes. O que você não sabe garoto, é que te deixei ao meu lado e naquele tabuleiro você era o Rei. Sabe, eu devia ter dito que não, que você não era o peão, e não ter te dado aquela risada complacente. O vento lá fora corta a pele de quem não tem paredes físicas para prender a dor. E aqui dentro o frio me mantém viva. Continuo aqui, trêmula igual o dia que você foi pela última vez.

Garoto, me entrega as suas palavras que eu te entrego a minha vida. Sai da minha cabeça e vem pro meu lado. Esquece os meus sorrisos, o tabuleiro, a vida, os problemas e a política. Garoto, quando você desistir de sofrer sozinho vem comigo que eu te dou colo e divido meus problemas para diminuir os seus. Eu te ensino a transformar dor em amor. Eu te ensino a me amar. Garoto, eu vou estar naquele mesmo bar que nos conhecemos. Aquele com o sofá branco mais confortável. Com a jukebox tocando a minha música enquanto você me explica suas tatuagens e as suas mentiras.

E depois.

Depois, a gente desce até a praça e recomeça na frente da igreja. Vamos selar nossos medos com a fé dos outros. Garoto, eu preciso te dizer tudo que eu sempre quis.

quarta-feira, 22 de agosto de 2007

Sobre peixes e cachorros

Nos reunimos para comer peixe. Eu tenho essa tara louca por coisa crua, que hoje anda bem na moda e também é conhecida como sashimi. Fomos eu, minha parceira de fim de semana, Mariana, a chefe estilista dela, Vivi e a amiga puta-inteirona de 50 anos, Elizete (puta no sentido figurado, só pra demonstrar toda minha admiração quanto a sua forma física. Eu quero ser como ela quando crescer... mais).

Era cedo, e o lugar não é dos mais freqüentados, um japa velho que nos indicaram e a gente aprovou. O papo foi variado, piadinhas sobre gírias modernas e ridículas, lançamentos gerais da semana e o sempre bendito trabalho, mas é inevitável tentar fugir do assunto relacionamentos. E dentre teses e especulações quanto a nossa durável solteiríce, concluímos que somos como rádio pirata. Explico. Todo mundo tem freqüências, do tipo uns querem curtir, outros namorar e outros tomar café. Quando duas pessoas têm a mesma freqüência costumam se dar bem, e a evolução pra um próximo passo torna-se mais simples. Por exemplo, se você gosta de passear com seu cachorro e encontra alguém que goste de fazer o mesmo, e de repente esse alguém quer que seu cachorro comece a passear sempre com o dele, e esses passeios todos se tornem uma rotina... bom, seriam dois cachorros bem felizes. Pois é, o problema é ninguém estar na nossa vibração. Somos rádio pirata, daquelas difíceis de sintonizar e entender alguma coisa. Mesmo porque nossa sintonia não é tão simples quanto tomar café ou passear com cachorro. Estamos sempre escolhendo a vibração errada, com pessoas erradas. O velho papo do “quando eu quero, ele não quer” e vice-versa. C’est la vie.

Falando do vice-versa, essa semana conheci alguém. Ele parecia ser uma pessoa bacana, e eu até passei meu telefone. Me disse que ligaria as 9h40 (sério, quem combina de ligar para alguém as 9h40?! As pessoas ligam as 9h30, ou as 10h ... mas as 9h40?! Só não é pior que 9h37. Medo). O problema foi que até o fim da noite eu mudei de idéia quanto a querer que ele me ligasse, mas daí já era tarde. E eu tenho esse incrível poder de não conseguir mentir meu número de telefone, porque acho que a qualquer segundo terei uma diarréia verbal e direi meu número certo, passando o maior mico por ter mentido. Paranóia? Imagine. Então, no dia combinado, as 9h40, o telefone tocou, e eu não atendi. E até às 22h ele tocou umas tantas 10 vezes. Todas não atendidas.

Ele me ligou?! Não sei. Porque no dia seguinte descobri que meio mundo tentou me ligar nesse horário e não conseguiu falar comigo. Me diz, porque diabos às 9h40?!

O cigarro nosso de cada dia

Eu hoje vi um maço de cigarros no chão, amassado, perdido no meio do hall da faculdade. Um Marlboro azul, daqueles que quase ninguém no mundo fuma, vazio, seco, velho. Ao contrário dos outros que olhavam como lixo, eu olhava como dúvida. Quem seria o dono?

Todas as coisas têm história pra contar, e com aquele maço não era diferente. Por onde será que aqueles cigarros foram fumados, e onde suas bitucas cansadas foram rejeitadas? Que vento levou a fumaça de cada tragada? Será que era de homem, mulher ou velho?

Talvez tenham sido fumados em dupla, em trio, em casa, no carro, em cima de uma ponte vendo os carros passarem. Talvez estivesse numa jaqueta, no bolso de dentro de um blusão, no zíper de uma mochila, na pochete de um tiozinho retrô. Um roqueiro, um emo, um pagodeiro, uma bailarina, um astronauta, um par de irmãos siameses. Sei lá, só sei que alguém fumou tudo aquilo ali.

Em que pulmão aquele pretume está impregnado? Será que foi fumado depois de uma transa, com uma cabeça encostada no batente da cama, esperando o sol nascer? Será que foi fumado num banco de delegacia pra espantar o nervosismo depois de um assalto na volta pra casa? E se for um maço fumado na balada, daqueles que todo mundo quer fumar e olham pros lados procurando um fumante com cara amistosa. Pede-se um cigarro e torcem o nariz ao ver o Marlboro azul, mas aceitam, sempre aceitam, um bom fumante não nega um bom tabaco.

Será que é de um bom fumante? Ou será um iniciante que não sabe que Marlboro Azul é ruim que só a peste? Será que existe bom fumante? Será que o azul é tão ruim assim? Não sei... só sei que todas as possibilidades podem combinar com um simples maço de cigarros vazio. Todos os momentos de prazer que seu conteúdo proporcionou, todas as células cerebrais que levou pro espaço, todas as roscas de fumaça que desenhou no ar. Não é só um maço de cigarros, não, agora não mais. Depois de ser fumado, de ser notado e esquecido por ali ele é O Maço de cigarros vazio, maldito maço vazio. Agora é importante, é enigmático, é sério e poderia ter um ultimo filho de mãe solteira.

Todas as pessoas têm uma história pra contar, todas as coisas têm uma história pra mostrar. E você? Qual destino vai dar para o maço de cigarro de hoje?

Daniel Braz