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segunda-feira, 26 de novembro de 2007




E muito felizes, apresentamos a 14º edição!

Know you now

Abriram a porta sem avisar. Entrarem sem pedir licença. Colocaram os pés na mesinha da sala. Mexeram no meus cds, reviraram meus livros, buscaram minha verdade na palavra de alguns Deles. Fizeram tudo isso com meu consentimento embriagado. Foi assim com todos eles. Pra você eu abri a porta, deixei você entrar, permiti seus pés na mesinha, mostrei as músicas e te empresto os livros mas, você parou na porta, quieto, observando meus olhos como se fosse capaz de enxergar além deles. Os meus olhos e os seus ligados por uma linha de impossibilidade.

Nossos corpos se cruzando em momentos de alegria extrema, como não são comuns, em nenhuma das duas vidas. Lá fora uns cachorros fazem barulho com latidos desafinados. Os gatos se equilibram em muros, mas gatos tem sete vidas, e podem se arrebentar 7 vezes. Se eu cair do muro uma vez, ela pode ser suficiente, daí você vai parar na porta olhando tudo que um dia deixei você tocar, dessa vez com o olhar cheio de saudades. Sempre pode ser tarde demais pro que deveria ter sido feito ontem.

Eu passei na frente daquele bar e lá dentro eu via aquela tarde de sol caindo sobre nossas cabeças e o mundo distribuindo música ruim e consentimento. Eu passei, mas fui embora com pressa de me livrar das lembranças. Não funciona assim tão bem esse jogo. Eu perdi a folha que a gente anotou as regras. Esqueci os números que a gente combinou. Minha memória é uma querida filhadaputa em alguns momentos. Uma pena é ela guardar o seu nome no mesmo lugar que guarda o meu. Tudo tão perto. Ah, cara, vai lá. Segue a sua vida com o que você escolheu pra ela. Vai ser mais fácil, vai ser melhor pra você, só não pergunta como estão as coisas pra mim. Elas vão ficar bem. Vão ficar melhor do que estão. O seu nome vai sumir como sumiu o deles. Ou não. Mas, o que importa é que uma hora um qualquer faz tudo aquilo com meu consentimento embriagado. Eles precisam do que você nunca precisou. Mas, pode ser tarde demais pro que deveria ter sido feito ontem.

Go to bed, World!

Bem sabia da certeza que tinha, mas a certezas acontecem quando as pequenas coisas as chamam em qualquer canto dessa cidade cheia de novidades. Eu tive a maior certeza de que tudo aumentava e que o caminho era sim para o certo e não para qualquer outro lugar, quando avistamos aqui a primeira noite de estrelas estampadas no céu.

Surpresa foi a dela ao vê-las ali piscando, na noite de terça-feira. A metrópole só lhe havia trazido noites de céu com cor homogênea e indefinida, estranha o suficiente para sempre encobrir os astros reluzentes. E nós apenas caminhávamos na madrugada, fazendo de qualquer ponto interessante, ou não, da rua, como nosso espaço de liberdade. Não tinha mais a saudade, não tinha o aperto, não tinha nervosismo ou qualquer outra coisa que desgaste o rumo de seus antônimos.

De tanto querer dizer o quanto é verdade, eu, sempre entregue a essas emoções da situação, tento transcrever mais uma vez o que foi ali jurado. Raramente duvidamos das jornadas que o destino ainda vai nos agendar, nem parecemos temer o que o futuro reserva. Tudo bem... às vezes. Mas perante àqueles olhos e sorriso, eu quase não tenho chão ou força maior que me faça acreditar em avesso de otimismos. Coisa nossa, mas que quase torna-se pública de tão explícita.

O ponto tenta me convencer de que os horários são maiores. Tenho dado tantas voltas e soltado tantas frases que me perco nesses dias tão turbulentos. Quando muito, me destino a confissões tolas para um computador, mas as dúvidas se esvaem quando lanço frases onde digo que as terças-feiras têm minha preferência. Daquelas onde o céu nos ilumina com as estrelas e a cidade inteira reflete, em seu sorriso, nossa condição de donos do mundo. O nosso.

Child

Eu fui uma criança quieta. Não gostava de conversar muito e nem de me sociabilizar com as demais da escola e de lugar algum.

Brincava sozinha, andava sozinha, lanchava sozinha e eu nem ligava, mas acho que incomodava as outras pessoas que insistiam em me comparar com as crianças mais falantes do que eu.

Daí um dia na escolinha eu conheci uma menina, a Dani. Ela era tão quieta quanto eu, na verdade nós fazíamos companhia uma à outra, mas quase nunca conversávamos, partilhávamos o silêncio sem nenhum constrangimento, era confortante não estar só.

Faz tempo que não falo com ela e que devo uma visita porque tudo anda muito corrido, mas de qualquer forma, mesmo com a distância, o sentimento de carinho e amizade permanece.

Amizade de infância acho que foi só ela mesma, porque muitas crianças me irritavam. Meu cabelo nessa época era bem comprido, abaixo da cintura, então algumas meninas sempre puxavam meu cabelo e eu sempre era muito mal humorada (não que isso tenha mudado muito). Tinha um menino que eu odiava, ele adorava me irritar e sempre tentava me empurrar do balanço até um dia que eu o empurrei de cima do trepa-trepa(nome indecente) e ele quebrou o braço. Nesse dia só confirmei como homens podem ser imbecis, porque ele preferiu dizer que caiu sozinho a admitir para professora que uma menina o tinha empurrado. Azar, ele quebrou o braço e eu nem levei bronca.

Falando em azar, eu tinha pé chato e por causa disso fiz seis anos de balé. Meu avô me levava para a aula e eu saia na rua de meia calça rosa, maiô, saia rosa e na cabeça um coque. O pior de tudo é que achava que estava bonita (é comprovado, desde pequena não tinha mesmo talento para moda).

Não bastando meu gosto duvidoso em me vestir, por culpa do maldito pé chato, eu caia demais. Em uma única semana eu caí três dias consecutivos no mesmo lugar e na mesma hora.

Na saída da escola avistava meu avô no portão, saia correndo e ploft caia! Ele me dizia: “Nina, não pode correr, você sabe que vai cair e machucar”. Ele disse isso dois dias e no terceiro quando corri e caí novamente, meu joelho ficou parecendo qualquer coisa nojenta, eu levantei, tentei tirar as pedrinhas do joelho sangrando e fui andando, mancando até meu avô, que só me olhou e eu disse: ”Tááá bommm vô, eu não vou correr mais”. A lembrança é bem mais forte do que a cicatriz que levo no joelho ainda hoje.

Quantas recordações. Acho que no meu aniversário de seis ou sete anos, minha avó, cozinheira de mão cheia, conseguiu fazer quatro bolos errados, não sei como ela conseguiu essa proeza, mas o resultado foi que os ingredientes acabaram e eu passei meu aniversário sem bolo.

Eu ainda hoje não gosto de comemorar aniversário e não sei direito se é pela lembrança da ausência do bolo ou se é por insegurança de criança anti-social de dar festa e ter somente balões preenchendo o espaço da sala.

São essas lembranças que fez quem eu sou hoje. Um pouco de tristeza, alegria, solidão e muita saudade.

Shoots and ladders

Não podemos ver o vento, mas vemos sua vontade se manifestar. 1h21 e um barulho de porta bate no silêncio. Minha postura muda como a de um cão atento. Abro a porta do meu quarto e lá vou eu. Não temo. Na verdade, tomado às vezes por um pensamento insano-sociopata, eu sempre desejei isso.


Desço as escadas e olho o escuro. Conheço a casa melhor que qualquer invasor, mas acendo as luzes. Até hoje não sei por quê acendi aquelas luzes. Mas acendi. Todas. Esquivando nas paredes, sorrateiro. Nada. Portas fechadas. Nada.
Algo gelado encosta em minha costela por trás. Me gela e falha a minha perna. Uma mão cala minha voz e outra diz para eu ficar calado. Se essa era a hora de ter medo, eu estava cumprindo o roteiro. Manda eu acordar minha família. "Acorda quem tá vivo pra não morrer dormindo". Impotente, obedeço. Minha coragem definhou ao olhá-los. Eu não tinha maturidade praquilo. E qual a idade que se atinge maturidade pruma coisa desse tipo? Hun. Me revoltei, me acalmei. Ainda não tinha problemas com o ar.


Não tem telefone. Não havia sequer uma esperança de ajuda. Parecíamos carne fresca à leões famintos. Seu rosto encapuzado gritava abafado: "A chave!" Calma. Eu vou buscar. Sempre vigiado. Ele era minha sombra, meu fetiche, meu pecado. Minha boca estava seca, mas ele me negou um copo de leite, na minha própria casa. Meu desejo maior. Vingança. E lá fomos nós buscar a chave. Nem sei de que chave ele estava falando, mas levei-o para o meu quarto. Um lugar simples, aconchegante, de paredes vermelhas.


O vento era a trilha sonora. Procuro a chave-que-eu-não-sei coincidentemente aonde guardava uma faca. Coincidentemente. Seguro-a como seguraria um amor caindo de um penhasco. Nada vai me impedir. Suas balas não vão me impedir. Que isso custe a minha vida se for preciso. Eu não ligo. Eu não tinha problemas com o ar naquela época. Minha boca estava seca. Meus olhos molhados. Deveria ser ao contrário.


Desconfiado e confiante ele se aproxima. Respira-vira-foi, tudo no mesmo fôlego. Ele olha e ri. Eu olho assustado e rio. Então é assim, uma facada? Tão rápida, e quantos tecidos pude atravessar e sentir... Não solto. Não dói. Morrer não dói. Permaneço ajoelhado, minha faca é minha cruz e não solto. Então é assim, uma coronhada? E meu nariz empurra o corpo desequilibrado pra longe. Sangue. A faca permanecia na minha mão. Sangue. Ele olha desacreditado e me xinga. Olha em meus olhos com perdão. É só o que consigo ver de seu rosto. Soa mais sincero. Ele aponta a arma em minha direção. Mas antes que ele complete o ato, eu já estava lá. O rei agora sou eu. Ele encosta na parede. Minha primeira carne, minha semelhança. Minha primeira morte. O doce gosto da vingança. Um, dois, nove. Clic, clic, clic. Clic. Ele só repetia até perecer: "Um lugar simples, aconchegante, de paredes vermelhas..."






















Queria ver seu rosto. Queria saciar ainda mais minha sede de vingança. O copo de leite que não tomei. Tirei a máscara. Era eu quem estava morto.


"Jovem acorda no meio da madrugada, acende todas as luzes de casa, acorda família e se mata."

Surpresa entorpecida

O convencionalismo semanal é encerrado pontualmente às dezoito horas de sexta-feira. A rotina ficou atrás daquela porta de vidro que causa tanto repúdio por já denunciar escancaradamente o que será encontrado no recinto. Porta maldita, mas frágil de dar pena. Os passos aceleram, ainda que não haja pressa para chegar, somente para sair dali, e a corrida impulsiona o sorriso e a leveza de quem abandona o corpo a fim de conseguir se locomover menos passivamente. A tolerância aos imprevistos também transcende o limite imposto pelo urbanismo padrão; adquire-se o super poder de permanecer inabalável e os problemas que causavam arrepios já são motivo pra riso.

Ninguém precisaria prolongar as preocupações acumuladas ao longo da semana, a menos que sejam inerentes a quem as têm. Entretanto, as pessoas não se dão mais o direito de se libertar dos deveres que não lhes dizem respeito, como se eles fossem mesmo importantes para si. Como se não houvesse nada que denunciasse a barreira existente entre os “interesses públicos e privados”, como se estivessem fundidos em um episódio só. Nesse ritmo surge a patética tendência de estar à disposição das expectativas banais e cotidianas em tempo integral, em substituição das expectativas individuais que passam a ser desmerecidas e aniquiladas.



The cars crawl past all stuffed with eyes.
Street lights share their hollow glow.
Your brain seems bruised with numb surprise.
Still one place to go.


São apenas dois dias para atenuar a semana que foi vendida e provar que ainda há espaço para ser você, alheio às determinações de outrem. Todas as pessoas se devem isso no final das contas, embora sejam poucos os que levam essa obrigação tão a sério quantos os seus outros deveres. Uma liberdade motivada por tão pouco, como poderia ser depreciada? A sociedade e seus costumes já não significam tanto quando saturam a boa vontade de alguém em uma semana útil. As ruas ficam pequenas para a indignação que circula, um tanto contida por estar atrofiada, mas ainda perceptível para qualquer um capaz de entendê-la.

Pisoteando o asfalto de maneira torpe, as solas dos sapatos esmagam mais do que o piche e as impurezas aderidas. Caminha-se para qualquer lugar para ultrapassar a sensação da última esquina de que a corrupção pelo dia-a-dia talvez possa, no futuro, fazer algum efeito.


(*) Soul Kitchen - The Doors

Ode a ele

As vezes eu fico pensando em quanto tempo gasto pensando em amor... muito. E como tudo o que eu escrevo costuma passar pela minha cabeça antes de ir pra tela do computador, conseqüentemente, tenho escrito muito sobre amor. Portanto, dedico meu texto aos desamores.

Isto mesmo, aos amores que não funcionam, que não deveriam ser e acontecer devido ao alto grau de chateação gerada aos envolvidos, inclusive a aqueles que são obrigados a compartilhar das alegrias e tristezas de um casal mal resolvido.

Durante a semana passada ouvi duas histórias deste tipo, que envolvem duas amigas minhas (e eu peço, desde agora, permissão pra contar os devidos contos – e como, mesmo se vocês não aceitarem, eles já estarão aqui, considero a permissão concedida, obrigada).

Pois então, a primeira já namora há um ano e trá-lá-lá, mas não aos fins-de-semana, que é o período reservado para brigas. É, todo final de semana recebo a mesma ligação perguntando: “vamos sair?”, e eu, boba, respondo “mas ué, e ele?”. Ele não faz, permanentemente até segunda-ordem, parte dos planos temporários. E daí a gente sai, eu passo a noite ouvindo a respeito da mega-briga que eles tiveram e da chatice e dos defeitos dele, logo prosseguida da necessidade louca de ter-lo de volta. Aquela velha história do “ruim com ele, pior sem”. A reconciliação acontece no domingo, e então eu sou obrigada a escutar suas lamúrias sobre o quanto ela está de saco cheio da relação desgastada e que isso não vai durar muito tempo. Ahan, disso eu sei, só dura até sexta, minha querida. Mas saiba que na próxima segunda teremos a mesma conversa.

Já com a outra foi tudo muito rápido, e desse jeito bem moderno, por msn. Me diga, qual o babaca que tem coragem de terminar um namoro por msn? Se ele tivesse dez anos e ainda completasse dizendo: “eu não quero andar de mão dada com você amanha na escola”, eu acharia fofo (mas daí seria pedofilia, esse não é o caso. E ok, eu sou ingênua e ainda acredito que crianças de dez anos andam de mãos dadas na escola e NÃO se beijam). Mas não, o rapaz tem 35 anos e um futuro incerto quanto a sua integridade moral. Ba-ba-ca.

Agora eu poderia encerrar o texto dizendo que é por essa e outras razões que eu não namoro, mas eu prometi não falar de amor, ou no caso, da minha falta dele.