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segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Surpresa entorpecida

O convencionalismo semanal é encerrado pontualmente às dezoito horas de sexta-feira. A rotina ficou atrás daquela porta de vidro que causa tanto repúdio por já denunciar escancaradamente o que será encontrado no recinto. Porta maldita, mas frágil de dar pena. Os passos aceleram, ainda que não haja pressa para chegar, somente para sair dali, e a corrida impulsiona o sorriso e a leveza de quem abandona o corpo a fim de conseguir se locomover menos passivamente. A tolerância aos imprevistos também transcende o limite imposto pelo urbanismo padrão; adquire-se o super poder de permanecer inabalável e os problemas que causavam arrepios já são motivo pra riso.

Ninguém precisaria prolongar as preocupações acumuladas ao longo da semana, a menos que sejam inerentes a quem as têm. Entretanto, as pessoas não se dão mais o direito de se libertar dos deveres que não lhes dizem respeito, como se eles fossem mesmo importantes para si. Como se não houvesse nada que denunciasse a barreira existente entre os “interesses públicos e privados”, como se estivessem fundidos em um episódio só. Nesse ritmo surge a patética tendência de estar à disposição das expectativas banais e cotidianas em tempo integral, em substituição das expectativas individuais que passam a ser desmerecidas e aniquiladas.



The cars crawl past all stuffed with eyes.
Street lights share their hollow glow.
Your brain seems bruised with numb surprise.
Still one place to go.


São apenas dois dias para atenuar a semana que foi vendida e provar que ainda há espaço para ser você, alheio às determinações de outrem. Todas as pessoas se devem isso no final das contas, embora sejam poucos os que levam essa obrigação tão a sério quantos os seus outros deveres. Uma liberdade motivada por tão pouco, como poderia ser depreciada? A sociedade e seus costumes já não significam tanto quando saturam a boa vontade de alguém em uma semana útil. As ruas ficam pequenas para a indignação que circula, um tanto contida por estar atrofiada, mas ainda perceptível para qualquer um capaz de entendê-la.

Pisoteando o asfalto de maneira torpe, as solas dos sapatos esmagam mais do que o piche e as impurezas aderidas. Caminha-se para qualquer lugar para ultrapassar a sensação da última esquina de que a corrupção pelo dia-a-dia talvez possa, no futuro, fazer algum efeito.


(*) Soul Kitchen - The Doors

Um comentário:

Yuri Kiddo disse...

"I believe I can see the future
'Cause I repeat the same routine
I think I used to have a purpose
And then again that might have been a dream"

NIN - Every Day is Exactly the Same