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segunda-feira, 26 de novembro de 2007

Shoots and ladders

Não podemos ver o vento, mas vemos sua vontade se manifestar. 1h21 e um barulho de porta bate no silêncio. Minha postura muda como a de um cão atento. Abro a porta do meu quarto e lá vou eu. Não temo. Na verdade, tomado às vezes por um pensamento insano-sociopata, eu sempre desejei isso.


Desço as escadas e olho o escuro. Conheço a casa melhor que qualquer invasor, mas acendo as luzes. Até hoje não sei por quê acendi aquelas luzes. Mas acendi. Todas. Esquivando nas paredes, sorrateiro. Nada. Portas fechadas. Nada.
Algo gelado encosta em minha costela por trás. Me gela e falha a minha perna. Uma mão cala minha voz e outra diz para eu ficar calado. Se essa era a hora de ter medo, eu estava cumprindo o roteiro. Manda eu acordar minha família. "Acorda quem tá vivo pra não morrer dormindo". Impotente, obedeço. Minha coragem definhou ao olhá-los. Eu não tinha maturidade praquilo. E qual a idade que se atinge maturidade pruma coisa desse tipo? Hun. Me revoltei, me acalmei. Ainda não tinha problemas com o ar.


Não tem telefone. Não havia sequer uma esperança de ajuda. Parecíamos carne fresca à leões famintos. Seu rosto encapuzado gritava abafado: "A chave!" Calma. Eu vou buscar. Sempre vigiado. Ele era minha sombra, meu fetiche, meu pecado. Minha boca estava seca, mas ele me negou um copo de leite, na minha própria casa. Meu desejo maior. Vingança. E lá fomos nós buscar a chave. Nem sei de que chave ele estava falando, mas levei-o para o meu quarto. Um lugar simples, aconchegante, de paredes vermelhas.


O vento era a trilha sonora. Procuro a chave-que-eu-não-sei coincidentemente aonde guardava uma faca. Coincidentemente. Seguro-a como seguraria um amor caindo de um penhasco. Nada vai me impedir. Suas balas não vão me impedir. Que isso custe a minha vida se for preciso. Eu não ligo. Eu não tinha problemas com o ar naquela época. Minha boca estava seca. Meus olhos molhados. Deveria ser ao contrário.


Desconfiado e confiante ele se aproxima. Respira-vira-foi, tudo no mesmo fôlego. Ele olha e ri. Eu olho assustado e rio. Então é assim, uma facada? Tão rápida, e quantos tecidos pude atravessar e sentir... Não solto. Não dói. Morrer não dói. Permaneço ajoelhado, minha faca é minha cruz e não solto. Então é assim, uma coronhada? E meu nariz empurra o corpo desequilibrado pra longe. Sangue. A faca permanecia na minha mão. Sangue. Ele olha desacreditado e me xinga. Olha em meus olhos com perdão. É só o que consigo ver de seu rosto. Soa mais sincero. Ele aponta a arma em minha direção. Mas antes que ele complete o ato, eu já estava lá. O rei agora sou eu. Ele encosta na parede. Minha primeira carne, minha semelhança. Minha primeira morte. O doce gosto da vingança. Um, dois, nove. Clic, clic, clic. Clic. Ele só repetia até perecer: "Um lugar simples, aconchegante, de paredes vermelhas..."






















Queria ver seu rosto. Queria saciar ainda mais minha sede de vingança. O copo de leite que não tomei. Tirei a máscara. Era eu quem estava morto.


"Jovem acorda no meio da madrugada, acende todas as luzes de casa, acorda família e se mata."

3 comentários:

Lígia Ruy disse...

Este texto soa familiar.

e eu gosto muito dele ^^

Acacia disse...

Uau!

é tudo o que posso dizer!
ainda estou sem fôlego.

Toad - Matheus H. disse...

Eu já li.
E o vermelho continua me surpreendendo.
Digo, o segundo.
Abraços!
Toad