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domingo, 23 de novembro de 2008

Edicion sin número

Desculpe o transtorno.
Susi está temporariamente capenga por conta de provas, trabalhos, problemas financeiros, viagens, contradições familiares, conflitos amorosos, falta de idéias, conexão ruim e qualquer outra desculpa que caiba.
Agora escreve aqui quem quer, como quer e quando quer ;-)
Viva la liberdad.
Viva la anarquía.
Beso Beso

Here, making each day of the year


MixwitMixwit make a mixtapeMixwit mixtapes



Uma vez por mês eu entendo toda a humanidade, o jeito que todo mundo anda sem fé ou esperança no futuro, que banalizam o amor, que esquecem a simplicidade do sorriso de uma criança. Uma vez por mês eu entendo e sou como todos os outros. Me falta esperança, fé e vontade. Nesse mês, o meu dia de me sentir igual, veio depois de um em que me senti diferente. Esperança de que toda vida se encaixaria naquele melhor sorriso, que nada importaria tanto assim, que todo esse desencontro era armadilha da vida para armar algo maior e mais bonito. Um dia antes do meu dia de todos os outros, me senti feliz e acolhida por um lugar que já reconheci como parte da minha rotina, que fez de algum dos meus dias os melhores, perto de quem fez de toda diferença, equilíbrio. Um dia antes do meu dia de todo mundo, eu consegui dormir uma noite inteira calma, com sonhos doces dos quais não me lembro, mas eram doces, isso eu sei.

Depois do meu dia de todo mundo. Dormi poucas horas um sono agitado e cheio de pesadelos. Um maldito rato, que a maldita pessoa que estragou tudo apareceu para brincar, uma cobra e um leopardo em um restaurante moderno demais, todas essas coisas que sendo hippie o suficiente para pesquisar o significado dos sonhos, simboliza falsidade. Uma vez por mês, eu sinto medo, não só de mim, como é habitual, dos outros, sinto medo de todos que não entendem absolutamente nada das diferenças, dos que banalizam os sentimentos, da indiferença que você se veste. Uma vez por mês eu sinto algumas coisas, ruins.

Uma vez por mês, eu sinto uma vontade absurda de ouvir Cranberries até o mundo acabar. Sabe, o que é? Uma vez por mês eu quero que o mundo acabe. Meus sentimentos se explodão. A verdade caia como uma luva nas suas mãos. Os sonhos se desfaçam. E a esperança morra. Devia querer isso todos os dias, mas eu li Pollyanna demais, percebi cedo que só os riscos valem a pena na vida e viver sem eles, é a inércia que torna os dias previsíveis, demais, para mim, que não sei viver assim. Mas, uma vez por mês, eu sei.

Eu continuo, dia após dia, testando os limites das palavras. Confissão, impulso, uma falta completa de razão, uma vida inteira de emoção, uma das nossas eternas diferenças é que eu não sei esconder o coração, eu já te pedi para me ensinar, mas essa é uma das coisas que você me negou com um sorriso. Uma vez por mês, eu queria ser diferente, só para não ser assim todos os dias. Uma vez por mês, eu tenho TPM e canso da fé. Sempre, uma vez por mês.



ps. pós turbilhão de pesadelos da madrugada do dia 30 de novembro.

C'mom Baby Say Bang Bang

Queria um revolver que cantasse a cada disparo. Que resolvesse alguma coisa a cada furo. A cada puxada de gatilho uma inspiração. A cada coisa que tombasse, uma nova se erguesse.

Bonito e com um tambor barulhento, quase carnavalesco, que tocasse uma melodia nova cada vez que fosse acionado. Que girasse com suavidade, batesse com força e explodisse como fogos de artifícios.

Em cada bala uma doçura capaz de curar um corpo cansado. De dar um descanso aos que merecem. Que cuspisse confeitos capazes de ferir pessoas amargas, sem gosto e com vida.

Um tiro, um sonho, saraivada de balas, doces ou azedas. Qualquer coisa que tire o gosto ruim o que dê um gosto melhor para uma vida sem sabor.

É esse o revólver que eu quero, por favor, posso ter um deste?

domingo, 19 de outubro de 2008

34º Edição

Após brincar com cartas, se divertir com sexo, alçar longos vôos, se assustar com buracos e jogar com a vida, chegamos na última rodada de temas. E nada melhor do que um pouco de música para finalizar.

As regras são as seguintes: o nome da música é o título do texto; pelo menos três frases da música devem ser inseridas em itálico; e não há assinatura.

Dê o seu palpite no fim da leitura.
Decifre o gosto musical e a identidade literária de cada um.

E, mais do que isso, divirta-se novamente!

=)

Never is a promise

Cada dia dentro daquilo que por falta de tempo deixamos de nomear. Um caso, foi assim que alguém definiu dia desses enquanto eu sorria de uma coisa qualquer. Você nunca verá a coragem que eu conheço, a riqueza das cores dela não aparecerá dentro de sua visão. Queria ter dito isso enquanto te acusava de muitas coisas. Muitas coisas. Meus dias inconstantes e o jeito que você me equilibrou. Faz falta você me entendendo. Mas, eu me perdia para fazer parte de algo que você nunca soube fazer existir. Eu existia sozinha por dois. E mesmo assim, ficava ali, parada, esperando o dia que você me aceitaria na sua vida. Mas a espera cansou. Você dirá que nunca me deixaria cair de esperanças tão altas. Mas 'nunca' é uma promessa e você não dispõe de meios para mentir. Você dirá que entende, mas nunca entenderá.


Reconquistei meu espaço em outros sorrisos. Encontrei toda
minha forma torta de enxergar a vida em outros olhares. Me encontrei. Mas ainda faz falta você. Talvez seja o costume se desprendendo, os hábitos acabando e o medo de perder para sempre.

Esbarrei na nossa história enquanto escolhia músicas e revirava um livro atrás de uma frase esquecida. Você nunca ouvirá a mensagem que eu mando. Você dirá que parece tão ruim como se eu estivesse desistindo desta luta.

Faz tempo que eu não acordo de madrugada sufocada por sonhos. E a vida tem me feito respirar enquanto meus pensamentos sorriem das minhas dúvidas. Eu percebo que eu sou agora muito esperta para mencionar você.

Um novo começo. Você dirá que nunca desistirá de olhar olho no olho. Mas enquanto o cenário cresce, eu vejo em luzes diferentes.


imagem:
http://www.flickr.com/photos/_girlwithcamera/

snuff.

Enterre seus segredos na minha pele. Vá embora com a sua inocência e me deixe aqui com meus pecados. O ar a minha volta é uma prisão, e o amor é só uma camuflagem para o ódio. Dói pensar que você não faz mais parte da minha vida. De que cada vez mais, quem eu me importo, não faz mais parte. Como peças que não se encaixam de um quebra-cabeça misturado, todos se cansam e vão embora. O quintal limpo e vazio aceita meus joelhos e minhas lágrimas inundam a solidão. Eu me despedi sabendo que você não voltaria mais. Pouco tempo depois fiquei feliz por sua passagem, então me senti culpado. Eu não queria te dizer adeus.

Antes de todo ódio inventado, você dizia me amar. Eu ainda leio suas cartas como se fossem as orações que vão me salvar. Eu te afastei porque eu também te amo, e não posso destruir o que não existe. Então se você me ama, me deixe ir e corra antes que eu perceba. Talvez eu não teria chegado até aqui sem sua luz, mas tudo se partiu porque meu coração é sombrio demais pra enxergar ou me dar forças pra lutar. Os anjos mentem para manter o controle. Você me vendeu para se salvar. Mas isso não muda o que eu sinto por você.

Engula o ar e se afogue, então saberá, por poucos segundos, como eu me sinto a vida inteira. Eu achei que esse dia nunca fosse chegar. Achei que fôssemos pra sempre, no nosso próprio mundo. Depois das perdas recentes, eu me sinto inseguro, como se ninguém entendesse o que eu falo. Ou somente valorizasse doces mentiras em charmosas perfídias, será que é isso que preciso fazer? Bata de frente com as pedras, eu só gostaria que você não fosse minha amiga. Então eu poderia te machucar no final.

Meu sorriso foi tirado há muito tempo atrás. Se você nunca percebeu, espero que nunca perceba, então posso ter alguém. Se eu conseguir mudar, eu espero nunca saber. Tenho tido uns sentimentos estranhos que comprimo em minha dor. Eu não mereço ter você. Espero que você nunca saiba. Assim eu poderei destruir tudo, de novo...






domingo, 5 de outubro de 2008

33ª Edição

Como nos dados, aqui temos seis lados, todos eles diferentes e cada número corresponde a um momento de sorte (ou não).

Contrariando as leis do Brasil que proíbem a jogatina, o Susi traz nessa edição os jogos, de azar ou não. Vale qualquer um.

Vejam como cada um associa as brincadeiras, os jogos, o passatempo com a vida.

Por passatempo, ainda em tempo, a todos os lados.
=]
Os seis:

Por um bom jogo

Várias pessoas que passaram pela minha vida são como as cartas de um baralho, mesmo agrupadas não valem muita coisa. No pife é preciso três trincas para ganhar o jogo, mas muitas vezes ganhar não significa que foi uma bela jogada.

Muitas pessoas que conheci foram descartadas, joguei no monte porque não tinham utilidade, outras eu troquei, só pra fingir novidade, mas não adiantou. Algumas das cartas que tenho só permanecem na mão porque não tive chance de descartar por algo melhor.

Entendam que essa comparação pode parecer fria e arrogante da minha parte, mas sou sincera e não sei ser demagoga, sinto dessa forma. No pife é obrigatório ter nove cartas, na vida não tem número estipulado, mas é de bom senso que não fique sozinho por completo. Regras da vida, regras do jogo.

Fazer um trio de cartas iguais é fácil, difícil mesmo é fazer um jogo na seqüência e ainda bater
com as dez. Isso é bonito e vale à pena. Eu estou com um bom jogo atualmente. Tenho cartas na seqüência, que se completam e quando olho para elas eu penso "Porra, se tudo der certo eu ganho esse jogo", mas na verdade eu não quero isso, se eu ganhar, a jogada termina e começa uma nova e com isso mais pessoas, mais naipes sem combinação, mais cartas incompletas.

Eu tenho cartas
inúteis, mas compensa ficar com elas do que perder a minha seqüência, porque lembra da obrigatoriedade das nove? Então eu prefiro conviver com os descartáveis a ver as minhas especiais no monte, porque a força do jogo está na união delas e não na individualidade.

A amizade, assim como o pife, é plural. Sem o conjunto são apenas um grande baralho de pessoas descartadas.

War, em um tempo de paz


Olhava a vida como aquele tabuleiro, garrafas e cinzeiros na mesa, os sorrisos em todos os rostos. Aquele papelão divido em seis regiões e a minha vida da mesma forma. Família, carreira, amigos, sonhos, realidade e amor. Contrariava todas as leis dos homens quando sonhava em silêncio e me esquecia naquela paz divida com pessoas levemente conhecidas. Sempre precisei do inevitável se apresentando aos meus olhos infantis. Minha malícia é piada e minha arma principal é o sorriso.

Cada uma das regiões guiadas pelo número de exercítos, de pessoas, de povos, de amigos, cada parte da minha vida é preenchida exatamente como naquele tabuleiro. Cada um tem a função principal de ser um.

Minha família era a parte turbulenta e a minha região de paz. O sorriso da minha irmã. As diferenças com minha mãe. O jeito calmo do meu pai. Demais para serem poucas palavras.

A carreira sempre ocupou um espaço enorme dos sonhos, ali eles também estavam um ao lado do outro. Diante deles o amor. Esse mesmo amor que sinto por todas as pessoas e histórias, pela coragem e pela vida, o amor sem preconceitos, pela liberdade e pela diferença, por tudo que é igual em um ponto só. Por tudo que é diferente em vários outros. Por todos os caminhos. O amor que me faz andar ou parar.

A realidade esteve o tempo inteiro por perto, era tudo um bloco só. Amor, sonho, amizade, trabalho, carreira e a realidade. Porque eu amo tudo que vejo como real mesmo que pincelado de sonhos. E o resto eu só suporto porque é real demais para ser ilusão. Como o abraço sincero de um amigo.

Os amigos dominavam o tabuleiro inteiro. Representavam os continentes e me mantinham diante dos outros lados. Guardavamos tudo em sorrisos. Era a nossa maior arma de guerra. Meus amigos são aqueles que sabem rir de si mesmo, homens ou mulheres que sabem o valor de ser autêntico. São aqueles livres de todos os preconceitos. São os que me fazem sorrir. Os que me dão noites intensas ou calmas. Amizade é o lugar que escolhi para estar. Sempre.

O jogo não acabou. O tabuleiro foi virado pelo vento ou por algum estabanado. Sorrimos por fim. Era tudo isso. Como em uma guerra, só procurávamos a paz.

Sedução

Com as peças em seus devidos lugares, inicio a primeira ação. A situação já foi analisada e revista, a estratégia não é simples, porém o resultado vale os obstáculos a se percorrer. As brancas começam, a rainha está a postos e o meu objetivo: o rei.

De passo em passo me aproximo. As táticas deixam tudo muito óbvio logo de início. Uso todas minhas armas para te fazer crer que, nessa partida, eu sou vencedora. Você não se faz de díficil. De peça em peça me aproximo.

Sem o dominío do tabuleiro, você se sente encurralado. Pare de fingir que tem alguma chance! Eu sei que você quer que eu ganhe. Os obstáculos não me detêm. Dê mais sentido às construções, derrube teus muros que eu tomo tua torre.

O pragmatismo é decifrável, fuja do simples. Suas crenças se desfazem enquanto você se movimenta. Não tente recuar, um peão não tem esse direito. Tome seu lugar neste tabuleiro. Só será rei quanto eu te nomear. No meu jogo é a rainha quem controla, deixe-se levar.

Não ande em círculos, meu querido, posicione-se corretamente, não se perca na jogada. Você sabe das minhas intenções, liberte seus instintos. Estou chegando ao ponto, talvez seja sua hora de me capturar.

São três opções: fuja e mova-se para o jogo de outrem, invente a segunda peça e me faça parar, ou me capture antes que seja tarde demais. Joguei as rédeas em tuas mãos, qual será a decisão?

Xeque-mate.

Desde o inicio você já era meu.







Pif -Paf


Começava a partida com os cotovelos cravados na mesa e um olhar desafiante que não impunha medo a ninguém. A cada carta que recebia, tentava passar convicção de que tinha o jogo ganho na arrogância do sorriso pendurado ao lado esquerdo da boca.

Ele renovava a petulância sempre que notava uma jogada inferior a sua, bem diante das suas mãos, e isso já era suficiente para os comentários audaciosos e a exibição daqueles dentes amarelos. Para movimentar umas poucas cartas, fazia uma encenação interminável e o jogo acabava nele para recomeçar exausto com o próximo jogador.

Os demais na mesa se afogavam em repulsa dentro de um copo amarelado enquanto o imbecil representava. Desejavam ganhar ou perder, desde que a criatura não tivesse a oportunidade de comemorar sua vitória, e torciam por qualquer outro rival, indiferentemente.

No decorrer da partida, ficou evidente o fracasso geral dos insatisfeitos e tornava-se iminente o momento sacal do discurso vencedor. Antes dele, uma cadeira foi ao chão.

Com o corpo estendido, o otário recebia de peito aberto os copos cheios e as cinzas de cigarro, que estavam na mesa e agora caíam sobre ele. Pessoas contentes, pela primeira vez desde o início do jogo, sorriam e chutavam o estorvo. Cantavam e dançavam em homenagem ao bom espírito das competições.



*Imagem: Arthur Rackham - Public Domain

Guerra de Plástico

- Corram! - Ouviu-se gritar de algum lugar do tabuleiro até que a voz fosse tomada por motores de aviões e metralhadoras. BOOM! Pronto, a explosão se fez destruindo um exército inteiro. Assim, fácil fácil assim. - Troca dez pequenos por um soldado grande aí vai. - Não deu tempo. Nem sempre é justo - três contra um em Vladvostok.

Tudo gira em torno de sorte e muita estratégia. Os campos tomados por Morte definem e peneiram os mais fortes. As cores se desfazem à medida que o cansaço impera com o tempo, a ferida dessa batalha chama sono, que falha a atenção e cava a cova pra enterrar-se nas cobertas. O jogo da Guerra não tem dó, e os dedos dos jogadores impiedosos estão carregados com os Dados prontos para atirar. - FOGO!

Exilados vão sem Destino de um lado para o outro com algumas cartas na mão, mas o objetivo se torna obsoleto. Alguns pedaços do mundo que nada mais significam quando se está desesperado e tomado pela esterilidade. Os Zumbis rodeiam a mesa apenas pelo instinto de sobrevivência, ninguém quer ser o primeiro! Mantém os poucos soldados e um copo de Coca-Cola quente e tão no final quanto suas alternativas esperando alguém vacilar e, quem sabe, o jogo não vira? Há fé, e por que não? Já que os Dados são Deuses de mão em mão, e o copo pode voltar a se encher.

Conquistar territórios. É disso que se trata o objetivo. Dados que definem quem vai, quem fica. Ninguém morre em peças de plástico, aqui a Morte não dói no coração de ninguém nem deixa rastros. Mas todos deitam fracassados montando uma pilha inodora enquanto o vencedor escala o topo.

Se a diversão chama "Guerra", divirtam-se.

domingo, 21 de setembro de 2008

32ª Edição

Buenas, "amantes" da "boa leitura".

Esta edição do Susi tem como tema uma imagem, e só.
As seis gracinhas vão ter que se virar e se infiltrar em seus pensamentos mais obscuros para decifrar e criar a partir de uma arte chamada "The Hole Theory", do Tcheco Jan Dosedel (a.k.a Absolute-naut).






Portanto, sem mais delongas, vamos aos seis:

Extrato


Conhecendo de antemão o prestigioso futuro ao qual rumava, começou a se questionar sobre o lucro do grande sucesso com a comemoração solitária. Aspirava promoções, contatos importantes, resultados financeiros, imensa visibilidade e recorrentes superações de metas diminutas.

Por entre corporações e finanças em um escritório humanamente inóspito, produzia maquinalmente e refletia o espírito que lhe era esperado. Ganhava remunerações exorbitantes pela colaboração e, pouco a pouco, o tato que lhe ainda mantinha as cédulas à mão se esvaia.

Na cadeira de seu cubículo, acreditava em congratulações mais expressivas pelo seu empenho e ansiava por ser visto individualmente por alguém também avulso. Estava à disposição de um humano desconhecido para distinguir o comportamento dessa espécie. A ambição tinha o acompanhado por toda a vida, mas agora se resumia a um sonho de desconstrução para que dela se constituísse algo mais sensato.

Perdia a fé nesta pessoa ilusória capaz de lhe recolocar em uma esfera real e sensível, enquanto se aprisionava cada vez mais no desespero. Foi por temor que insistia em se manter intacto com tal desapontamento. Foi para não esquecer ou desistir da liberdade almejada, que se conservou desumano na fortaleza.

Como um mal estar estabilizado no organismo já doente, embrulhava-se com a mera finalidade não ser desintegrado. Expunha ridiculamente o seu pedaço que demandava remoção.

Fugas do presente

De repente tudo se parecia com a imagem daquele livro que acabei de deixar na mesinha. O telefone não tocava. Os meus sonhos não falavam. A vida parecia ter sido esquecida dentro de um buraco muito parecido com o pintado naquela parede. O medo da felicidade tinha me deixado próxima demais desse desenho, desse presente que fingi gostar.

A janela fazia o seu papel. Encostada na parede ao lado dela, com um copo nas mãos e os cabelos presos, observava a rua vazia e a cabeça parecia voltar para aquela imagem que tinha mexido comigo de um jeito incomodo e frio. De repente tudo fazia sentido. Os olhos daquela pessoa enrolada em um plástico ou pano, qualquer coisa estranha demais para ser descrita, era o jeito que me vestia e me cobria do mundo, uma alma transparente. A cadeira vazia era como fugia do que era cômodo. A escrivaninha guardava minha vida em gavetas e portas fechadas, com palavras e fotografias. Só não queria encaixar aquele buraco preto. Não queria comparar nada de mim com aquilo. Muito menos, com aquele desenho.

Queria correr, mas só tinha a janela, talvez fosse impossível.



Só consegui fechar o livro e sorrir. Nada daquilo disse algo que não soubesse... Estava errada e fim.

O Buraco

Arranhei a parede em busca de um aborto
Com os dedos em carne e sangue,
Me abracei na procura de conforto
Do lado de cá é tudo muito abandonado
E fico preso sempre aqui do outro lado
Minha sede pede água e eu apelo à trégua
Nada além de mágoa na ausência que me cega

O que eu quero não tem nome
Não tem definição
Estou preso em mim mesmo
Nessa minha obsessão

O portal da liberdade,
Ou o início da prisão
Mofo junto com as paredes
Aguardando uma decisão

O buraco que liberta
Que esconde e alimenta
O buraco é a meta
Minha vitória lenta
Sem objetivo

Não sei se já morri
Ou se ainda estou vivo

O que acontece agora?
Me diz o que tem de errado
Me diz o que tem de errado em mim
Aqui dentro do lado de fora
Não sei se é o começo
Ou se já cheguei ao fim

Growing Inside

Depois de algum esforço conseguiu abrir os olhos que pareciam colados. Era tudo escuro. O ar estava morno e meio sufocante, só conseguia sentir sua respiração que voltava assim que ele expirava. Alguma coisa envolvia todo seu corpo, como se fosse uma massa que delimitava seus movimentos.

Talvez estivesse sonhando, mas não sabia o contrário de um sonho. Não lembrava de sua vida. Não sabia como era chamado pelos... outros? Será que ele era parte de uma composição de pessoas? Um grupo? Porque estava ali? O que significava aquilo? Ele estava ofegante e o ar ficou mais quente. Sentiu algo descendo pela testa. Estava suando e tentava recordar seu nome, mas não conseguia.

Percebeu que podia mexer os dedos e conforme se movimentava ouviu algo romper, um barulho fino, delicado e de repente sentiu farelos e pequenos pedaços. Um cheiro artificial, que como tudo naquele momento, ele não sabia o que era, parecia areia. Continuou movendo os dedos, pois era só o que conseguia fazer. Depois de um tempo já podia mexer ambas as mãos e tinha um espaço considerável. Tateou o que pôde e tudo ao seu redor era duro e áspero.

Agora já conseguia bater com os punhos fechados, não sabia por que, mas precisava se desvencilhar daquela coisa que o abraçava e o segurava ali. Talvez se lembrasse de quem era ou talvez soubesse que não era ninguém. De alguma forma saberia algo. Continuou.

Ouviu um ruído mais forte, algo estava rachando. Continuou batendo os punhos. O barulho ficou mais intenso, alguma coisa estava sendo destruída. Uma luz mínima amarelada. Socos. Já tinha espaço para mover as pernas. Joelhadas. Chutes. Chutes. Socos. Raiva. Suor. Raiva. Raiva. Raiva. Caiu.

Nasceu. Os olhos tentavam ver além do bege morto de um quarto. A cadeira de criança já não servia e o armário não abria. Estava pelado, mas não tinha frio, na verdade não tinha nada, só as lembranças que estavam surgindo, mas não confortavam nem um pouco.

Lembrou da escolha que mudou sua vida. A rejeição sofrida na infância resultara no recolhimento. Tinha se trancado no quarto. Preferiu ficar entre as paredes e ser criado novamente, até querer nascer de novo. Ser parido por elas. Duras, frias, caladas, mas presentes. Não mais um rejeitado, não mais um qualquer, mas sim um filho das quatro paredes. Enfim alguém.

...schopny růst uvnitř...

Casulo

Há aproximadamente dez anos atrás eu comecei meus estudos. Muitos diziam ser ridículo, gênios diziam ser uma lenda, filósofos romantismo, psicólogos alucinação, matemáticos indecifrável, mas conforme meus testes e analises a probabilidade existia e, portanto, era uma teoria a ser estudada. Einstein já havia desacreditado tal fenômeno em 1939, quarenta anos depois eu procurava comprovar o contrário: das estrelas nascem os buracos.

Dias e dias no laboratório, sem comer dormir viver. Minha energia era comprimida junto aos astros, as fusões nucleares o criavam e me destruíam. A cada passo errado, os cálculos iam para o espaço, minha cabeça explodia e eu sentia que o tal buraco negro só se formava em minha cabeça.

Horas e mais horas de dedicação. Meu peso diminuía conforme a massa das estrelas ultrapassava o sol. A densidade se colocava contra o volume, me atraindo para o caótico breu imaginário. Toda luz captada o fazia cada vez mais negro. Meu cérebro, o tal buraco.

Assim como toda a matéria era extinta, minha sanidade corria perigo quanto mais eu me aproximava de soluções. Teoricamente, o astro exerceria forças que destruiria agressivamente qualquer corpo. Só a distância me separava desta energia, minha mente já trilhava o caminho rumo ao fim. Como resultado, a auto-degradação de uma mente fértil.

A lagarta não se transformou em borboleta. Não resisti à morte de minhas estrelas, o buraco me engoliu por inteiro.

domingo, 7 de setembro de 2008

31ª Edição

Esta edição se dedica a um dos sonhos mais corriqueiros entre as pessoas: o icônico e libertário desejo de voar.

Por medo, ambição ou mera curiosidade o vôo é recorrente no universo onírico e, aqui, se materializa em seis versões destes que carregam a Susi - e talvez já pensem em arremessá-la do pedestal.

Então aproveite e se jogue também, baby!



beijo e até a próxima quinzena
;]

Longe, acima do mundo


Era um fixado, cujas raízes lhe haviam sido recentemente arrancadas, que ouvia uma fábula, dessas geralmente contadas para crianças com a intenção de passar uma lição moral. Deixou a sala com um bilhete aéreo em mãos, somente de ida.

Take your protein pills and put your helmet on

Corria para longe de casa porque tinha pressa em dar os últimos passos antes de embarcar em busca da causa maior que havia procurado até então. Sem grandes ambições, afinal era um projeto pessoal, ele entrou no aeromodelo que o levaria para a experimentação de um devaneio.

Assim que perdeu o contato indireto com o solo ao qual esteve preso por tanto tempo, ele se percebia pela primeira vez de maneira avulsa e capaz de envolver efetivamente o seu contexto. Abriu a porta e se adentrou na lasciva sensação de pertencer a alguma coisa, sem que estivesse dependente ou preso a ela. Era único, em reciprocidade com o que estava ao seu redor.

Now it’s time to leave the capsule if you dare.

Voava de um jeito particular e notava o céu como se ele nunca tivesse estado ali. Mergulhando sem fim naquilo que julgou ser o maior objetivo que poderia ter para toda uma vida, imaginava que era um dos poucos a se realizar tão completamente. Quiçá o único, pois ele já não distinguia em toda a paisagem que o ambientava, alguém tão avulso quanto estava que compartilhasse de tamanha liberdade.

I'm feeling very still

O sentido se esvaia e a queda chegava ao fim com a aproximação do chão. Num vácuo, ele clamava pelo fim do sonho explicando ter ocorrido um "erro técnico", de uma expectativa mal planejada.

There’s something wrong.

Can you hear me, Major Tom?
Can you hear me?


* texto baseado na música do David Bowie, Space Oddity.

No ar

- Vamos comigo!
- Ah não sei, o homem não foi feito para voar.
Ele a olhou pedindo que confiasse e ela foi.



Primeiro foi o medo e a vontade de desistir. Pensou nas pessoas que morreram nessas situações e depois pensou nas que morreram de diversas outras formas. De repente morrer não era mais problema. Morreria um dia de qualquer forma mesmo.

Depois veio a excitação e a vontade que fosse logo porque tinha medo de amarelar e desistir. Ela teve medo e quis recuar, sorria nervosamente, mas não desistiu. Aquelas asas mecânicas a assustavam de certa forma, então ela buscou as mãos dele e conseguiu permanecer ali.

Tudo pronto. Respirou fundo e subiu os dois degraus. Nessa altura se sentia acuada e segurava no que podia para imaginar que estava presa a algo. Do banco da frente ele virou, a olhou e sorriu. Foi aquilo que a manteve ali. Era a segurança que precisava. Ele, do seu lado.

O avião correu pela pista e subiu. Respirou fundo e já não se segurava mais em nada. Estava solta. Olhava ao redor como se fosse cega antes daquilo. Nunca tinha visto a cidade tão pequena. Agora ela o chamava para apontar uma nuvem, um prédio, uma montanha. Não conseguia deixar de sorrir.

Quando voltou para o chão achou que aquela sensação boa iria logo embora, mas não foi. O que sentia estava atrelado à superação do medo e como o amor que sentia por ele ajudou nisso.

Talvez o homem não seja feito para voar literalmente, deve por isso que há aviões e pessoas capazes de fazer as outras saírem do chão, seja em um bimotor ou com um olhar, como ele, que fez as duas coisas.
*Foto dele.

Utopia


Dentre tantas qualidades, algo me faltava. Sentia que a perfeição estava a um passo, e mesmo assim nunca conseguiria alcançá-la. O último detalhe me era negado, e isso me abalava mais que tudo. Ninguém especial o colocava fora de alcance, minha mente e meu corpo sofriam das limitações. Minha cabeça, sempre tão fechada, relutava em acreditar na impossibilidade. A caminho de me tornar aquilo tudo que todos queriam, a liberdade me fez falta.

Só nos vôos da minha imaginação, eu era quem realmente sou. Escondida da realidade, eu flutuava por minhas verdades, brincava com minhas incertezas e me perdia em expectativas. Conseguia viver o medo que invadia meu corpo quando fugia do caminho já traçado. Poucos entendiam minhas viagens particulares, pois só eu conhecia o destino.

- Nada sozinha, escala montanhas, liberta desafortunados. Há algo que não faça?
- Voar.


* Título e diálogo: Ever After / Imagem: stellaimhultberg.com


Hey you! Up in the sky learning to fly



Entrou na sala como um sopro de vida e de repente tomava conta de cada canto do apartamento. Brincava com minhas manias infantis que escondi de todos, menos dos seus olhos risonhos, me mostrou estrelas e me fez voar como nunca antes. Me mantive distante e indiferente, guardei dele tudo que indicasse como meu pensamento se esquecia diante da pressa de seus passos.

Ele curtia cada uma de suas neuras, experimentava conceitos, fazia das dúvidas o prato principal. Esquecia o mundo e era por ele esquecido, ficava horas parado diante de um livro, ouvia repetidas vezes a mesma música. Me tirava pela mão e me pedia com um olhar que fossemos juntos. Voamos pelo céu azul e por entre tempestades. Sorriamos e discordávamos o tempo inteiro, tínhamos na essência o mais importante, respeitávamos um ao outro como a nós mesmos. Cansávamos em tempos diferentes, mas mantínhamos as mãos dadas.

Ele segurou a respiração para mim. Guardou o melhor de si e me deu o melhor de mim. Me mostrou que eu podia viver apesar de, voar apesar de, crescer apesar de. Fez das minhas diferenças o oxigênio. Entrou naquele apartamento com os olhos risonhos e eu percebi que, não podia mais deixar de voar, era ele e o meu próximo destino chamava: céu.



Foto: Maripê
http://www.flickr.com/photos/maripereira
Título: Oasis

Um, dois, três e já!

- Eu planejei tanto minha viagem fora das paredes que a cidade impôs, que hoje tenho medo de passos falsos.


.


.


.


.


Ser super-homem quando pequeno era tão mais fácil.
A diferença é que agora a capa de lençol precisa me fazer voar de verdade.
Longe dos passos falsos.

Nunca Mais


Sempre acreditei que podia voar. Sonhava achando ser verdade que tocava as estrelas, que habitava planetas... que minha nave espacial era especial. Minha vida inteira num pouso de mentira. Minha fé é brincadeira.

Aonde ninguém foi jamais, eu venho em paz, sou um patrulheiro espacial. Vôo feito pássaro, plano feito avião, voar é só querer, basta crer e voar. Mas lá embaixo eu vi desaparecer.

Nunca mais sentir o vento frio contra o capacete, explorar as galáxias, ser leve novamente. É pesada a gravidade, sempre foi. Sempre foi verdade. Abrir as asas não faz mais sentido. Aprendi que voar eu não vou nunca mais, só cair, sempre cair... com estilo.


"Éééééé
Voar, eu não vou
Nunca mais"

domingo, 24 de agosto de 2008

30ª Edição

A Susi pode não andar sozinha, mas faz outras coisas, nem sempre sozinha.

Nesta edição o tema é o não recomendado aos menores de 18 anos, sexo. Portanto não nos responsabilizamos por porra nenhuma. Literalmente ;-)

E se sexo escrito é como a perpetuação do prazer, desça o scroll do mouse e seja eterno conosco.

Até a próxima.

=*

Como uma febre


Vinham à memória os filmes adolescentes, recorrentes na sessão da tarde, nos quais o relacionamento sexual dos protagonistas sempre envolvia um vínculo amoroso. Deitada, a mulher sorria imaginando viver esse papel enquanto um estranho a invadia. Ela não o amava e nem mesmo o conhecia; quanto a ele, sabia que só a silhueta feminina e curvilínea já era reconhecida antes do contato impetuoso. Nome, ocupação ou qualquer dado igualmente superficial eram desnecessários para o personagem másculo desta história.

O pesar no dilaceramento das expectativas da mulher nada tinha de religioso ou puritano, sendo somente uma questão de ter a fragilidade escancarada para atormentar o seu orgulho. Mostrar-se sempre confiante não foi o suficiente para impedir a corrupção de seus ideais, uma vez que o sexo também parte de princípios particulares. Agora havia alguém que a adentrava sem o seu consentimento e causava repulsa, insegurança e medo, variáveis de acordo com os movimentos dos corpos ali jogados.

“Let me put my love into you, babe
Let me cut your cake with my knife”


O sexo se configurava como uma guerra de predominância dos temperamentos, alternando do prazer ao desespero. Os gritos e gemidos das duas partes compunham uma melodia confusa e ofuscavam qualquer outro sentimento pacato que pudessem ter. A energia se esvaia e derramava ácida em um ambiente inóspito, o qual abandonava seu caráter restrito e evidenciava-se à mercê da necessidade e força alheia.



* Título e trecho de Let me put my Love into you, do AC/DC

Essencial


Não achava possível fazer amor. Se fosse verdade as pessoas não sofreriam pela ausência desse sentimento, simplesmente o fariam. Só mais uma mentira criada para pessoas inseguras lidarem com o sexo, porque soa melhor do que trepar como animais que, no fundo, é o que todo mundo faz.

Para os médicos ela era sexualmente ativa e para os puritanos, uma puta. Só não era uma Geni porque não dava para qualquer um. Sabia o que queria e quem era capaz de oferecer isso. Sexo era algo simples, comum a todos. Valia tudo por prazer. Entre quatro paredes ou não. Acompanhada ou sozinha.

Não gostava de sexo morno e mudo. Chegou a experimentar o estilo de transa contida de muitos casados, dos gemidos disfarçados de ser uma família na cama, mas o único efeito foi o tédio. Tinha que ser agressivo, falado e com força. Era isso o que determinava a intensidade do que viria.

Gostava de ser dominada e ficar que quatro, como todos os animais na busca do prazer primitivo. Se excitava em pensar que naquele momento era igual a uma cadela, uma vaca, uma gata ou qualquer outra fêmea que fosse. Era um reencontro com seus instintos. Um retorno à natureza. Gozar era fazer parte do mundo novamente.

Imagem: Vagina Jewel, de Lillit Keogh

Quem Cala Consente

Acordei agitado. Sonhei com sexo, na verdade, uma orgia. Eu não me sentia a vontade àquela manhã, não me sinto muito bem com pessoas suando e amontoadas. Liguei a TV, mais sexo. Meus hormônios me diziam o que fazer, e eu nunca nego a vontade do corpo. No caminho, tudo o que eu via era sexo, sexo, sexo. Sou uma pessoa normal, como todas as outras, sei das minhas vontades e necessidades. Mas não me masturbo, acho nojento. Prefiro me guardar para minha amada, a única que já transei sem ter asco daqueles líquidos e cheiros.

Trabalho no mesmo hospital onde ela estava. Entrei devagarinho como sempre, tirei suas cobertas e lá estava, à minha espera. Linda, branca, frágil como vidro. E tão sozinha, tão carente... Nunca me traiu, eu também sempre me mantive fiel. Dei um tapão no lado direito de seu rosto: "ACORDA amor, pronta pra mais um encontro?"

Ela sempre me espera nua, nunca nega fogo e quase não fala - perfeita! Faço tudo como um ritual, passo gel entre suas pernas, enfio dois dedos de uma só vez e ela adora, entra fácil fácil. Bato meu pau já duro e carregado em sua boquinha maravilhosa e ressecada e, logo em seguida, enfio em sua buceta. É a melhor sensação do mundo, enfio bem devagarinho, pra ela se acostumar com a sensação. Nunca nos olhamos nos olhos.
A deito de bruços, lambo seu cu, bato em sua bunda até que fique bem vermelha, então enfio todo meu pau e a como com força, com um ódio sem culpa. Puxo seus cabelos loiros
como se fosse arrancá-los, mordo suas orelhas e sua nuca, aperto seus peitos como se quisesse tocar seu coração - Bata, bata mais forte. Trocamos juras de amor: "Eu te amo sua filha-da-puta, e nunca vou te abandonar!". Então ela me tem dentro dela até o próximo encontro.

Quando acabamos, cantando baixinho nossa música preferida penteio seus cabelos, retoco seu batom, limpo minhas lágrimas, dou um beijo em sua testa e a cubro de volta. "Foi bom pra você meu amor?" Ela nunca responde, talvez no próximo encontro...






Sexo verbal não faz meu estilo

Os corpos respondiam como corpos. As intenções sumiam. As mãos correndo pelo meu corpo. Meu corpo percorrendo aquelas mãos. A respiração falha, os dedos respondem. Não importava nada do passado, nem um depois que não existiria, nos queriamos com a urgência da chama.

Animais em combustão. Cada beijo acendendo a inconseqüência. O seu corpo meu, eu sua. Meus toques sempre tiveram o termômetro do desejo. Sou melhor quando quero. Foi assim que acendi toda sua curiosidade. Seus olhos procuravam minhas mãos e eu procurava você.

Fechamos os olhos, fechamos o desejo em um acordo com o diabo e a recompensa era prazer. O seu cheiro velho conhecido em mim, de um jeito que nunca esteve, não pensava em nada, queria você e você naquele instante era um corpo e só. Tudo jorrava como vida, você pronto, eu pronta. Um só e nada faltava naquele momento que você era eu.

Sempre achei que te teria diante da curiosidade. Mas o jogo mudou, você comandou os atos.



Por mero prazer,
agora sua.

desejos

De todas as palavras que te disse ontem, quais não passaram despercebidas? Porque parece que pelo meu discurso, você só sentiu tesão.

A marca dos dedos ainda ardiam no seu rosto. A voz cessou. De repente suas costas tocaram na parede gelada, seu gemido de surpresa passou despercebido dentre tantos outros gemidos. As mãos percorriam os caminhos já conhecidos e, no ápice, prendiam seus pulsos, estendidos junto a parede. Ele dominava os movimentos, suas preferências, seus pontos. Seu prazer. Ela buscava seu corpo, sentia-se perturbada pela excitação reprimida por tanto tempo. Jogavam a favor dos seus instintos.

Não chega perto de mim. Esquece a porra do sentimento. Não dramatiza a situação, porque para as minhas necessidades, teu beijo não é essencial. Some da minha frente. Volta pra tuas putas, e dê a elas a porra do carinho reservado para mim.

Enquanto as palavras eram ditas e os olhos denunciavam o ódio, ele se aproximou. Os berros o deixavam louco. Já sentia o gosto de seu hálito, ela ainda gritava. Segurou seu braço, que insistia em apontar na sua direção, agarrou seus cabelos pela nuca e, antes que ela pudesse reagir, já estava a beijando.

Não tá funcionando. Enquanto eu te espero durante as noites, você circula com aquele bando de vagabunda. Roda bares como quem não tem par, usa pessoas como quem não tem caráter. Percebe que eu não suporto mais? Percebe que eu sei dos outros corpos, e que o amor que você diz sentir não me é suficiente? Que além de sentimentos, me fazem falta tuas mãos pelo meu corpo?

Ele entrou pela porta bêbado. Entre as luzes apagadas distinguiu seu contorno. Ela estava sentada nas escadas, o esperando, como nunca fizera antes. Talvez algo tivesse enfim a despertado do marasmo e aceitação em que vivia. Isso o excitou. Talvez essa fosse sua chance de desabafar as verdades que vinha escondendo na expectativa de que o jogo virasse. As outras eram passatempo, procurava bocas em busca do seu gosto, olhares em busca do seu prazer e corpos em busca do seu sexo.



*img Desejo - www.rafaelnobre.com

"o desejo é infinito, e a realização limitada. Vontade indica necessidade,

e o que ela pretende agarrar é sempre maior do que sua capacidade"

CarNavalha

Certamente ouviria tudo o que soubera das conversas alheias, nunca tinha experimentado a forma que trouxe à tona todas aquelas assustadoras formas. Certamente, sentiria mais completo depois de vivenciar as mãos no cabelo, o suor pelo corpo e um roteiro de improváveis caminhos que a língua traçava. Mordida e lambida. Arrepio com chupadas na nuca e uma febre difícil de controlar.

Tudo era parte de um enredo já batido, quem nunca o fez? E batia com força, quando se encontrava só. A vida não fazia tanto sentido, o sangue subia, procurou a vida em outras, a mão em objetos desconhecidos, o prazer nem sempre na boca, nem sempre em seu objeto. Morder ou olhar?

Depiladinha! Uma busca até o jorro. A intimidade se limita em cada gemido, a carne é quente e frita no colchão. É melhor parar, meu amor, se não vai inflamar! O selvagem está além da razão. 101 dias, o que é monótono agora? Escondo as chaves, sua fechadura é sempre um alívio. O que é brega dá mais prazer, encha a boca com o chulo, encha-a com o baixo, o suco. Uma refeição inteira.

É assim que se come. É assim que se fez quando aprende que o assustador é ser mais animal, menos gente. Mais parte do mundo, menos da sociedade. Meio ano de prazer. Lamba os dedos, sua boca tá suja. Qual é o seu nome, mesmo? Sai de cima e agora tira. Com tantos outros, é fácil achar um pedaço em cada corpo. O arrependimento bate quando acorda em mais uma cama estranha, sem sentido ou nexo. Mas desde quando a razão acompanha o sexo? O batuque desse samba não dorme, é eterno.


domingo, 10 de agosto de 2008

29ª Edição

Caros e caras,

A partir desta edição, começam os especiais (!) [ié! digam: ié!!!].
Isso consiste em uma rodada para cada membro sugerir um tema. E logo de cara serão seis textos sobre "cartas". Dos remetentes aos pacotes extraviados, não deixem de respondê-las ou retrucá-las.

Garantimos assinatura e o menor risco com bombas.


Ficadica.

Beijo.

[...]


eu pensei em mil coisas antes de me arriscar nestes riscos. trouxe todo o peso pra cá, mas decidi que faria isso com a maior leveza que conseguisse. há tempos não sei qual a forma de minha letra. a tecnologia moldou meu costume de apenas mandar e-mails, mas aqui onde estou a tecnologia se mantém afastada. tão longe quanto os passos que nos separam, e acredite, é tão maior que meu pensamento.


antes que qualquer outro parágrafo passe por mim sem eu perceber, quero me desculpar pela demora. na verdade, quero me desculpar pelo silêncio. é até engraçado me desculpar por algo tão usual entre nós, mas eu me desculpo por pensar que você se engana quando me acha tão egoísta a ponto de sair assim, sem dizer nada.

então eu resolvi usar estas linhas pra esclarecer algumas coisas. contar outras. nesse tanto de terra, mar e céu, tornei sua lembrança mais próxima de mim. como se eu tentasse, mas não conseguisse pensar em mais ninguém pra começar dizendo o que digo para os que eu deixei. e peço para que compreenda. saí porque foi preciso, deixei tudo pra trás porque a vida me pediu.

outro dia, nas tantas linhas que tracei, cruzei com uma mexicana de olhos pequenos. sorriu pra mim ao dizer que às vezes é preciso estar longe para o lar fazer sentido de novo. ela me mostrava todos aqueles dentes, um sorriso largo que não foi embora junto à sua bicicleta. desde então, guardo tanta coisa do que vejo. uma rua, um olhar... os sorrisos.

o céu às vezes torna-se infindo no horizonte pra me fazer compreender os anos. e eu permaneço aqui, revirando as caixas que guardo em minha casa nova. aliás, você iria adorá-la. quando o sol bate de manhã na sala, eu lembro das vezes em que você aparecia de surpresa. preenchia os cômodos. enchia a varanda de girassóis.

ela não está tão completa com todos os seus toques, mas eu tento fazer algumas coisas como você. e a encho de memórias. afinal, as memórias não podem pertencer a mais ninguém. e eu deixo a estrada me levar. até eu ter a certeza de que o destino se lembre dos caminhos que tracei desde que você tenha se tornado apenas uma memória.




em anexo mando uma foto, um girassol e um abraço.
espero que cheguem inteiros.

You hav[e]mail


Boletos, propagandas, cobranças, promoções imperdíveis e inclusão do nome nos órgãos de proteção ao crédito, enfim, essas coisas. Nunca tem nada pessoal. Os amigos não escrevem, nem mandam cartões.

As mãos atrofiadas já não sabem mais o que traçar com uma caneta, e os dedos só sabem bater e seguir as representações do que seriam letras. Não mando e nem recebo mais cartas. Muitos não saberão como é minha grafia e nem como puxo a perna da letra S. Muitos nem sabem que o S tem perna, né?

Eu ainda sei usar um lápis e um papel, mas tenho medo de te mandar uma carta e você achar que seja um novo tipo de vírus e, sem pensar duas vezes, jogue na lixeira azul e recicle meus sentimentos até que eu fique como você, sem essência.

Na verdade só quero dizer adeus para a realidade e olá a virtualidade, porque as palavras escritas com uma Bic azul foram embora junto com quem eu era. Agora sou um nome arroba em um domínio que não me pertence.

Mais próximo


A morbidez foi, de fato, deixada às traças no fundo do armário embolorado pelo mofo. São muitas as cartas de remetentes desconhecidos perguntando por novidades daquela amiga querida, não mais apta a retribuir tanto zelo. Lia uma a uma, não com remorso e, sim, com uma sutil inveja por nunca ter recebido tamanhas demonstrações de afeto. Gostava de ver como ela ainda era amada, pois entendia as razões para que fosse, mas faltou o caráter mútuo desta admiração que o manteria firme à sanidade.

Além das correspondências, o cantinho mofado guardava ainda tudo referente àquela mulher que desejou de maneira irracional, em um amor intenso e delituoso. Fugiu com todas as evidências de que a sua paixão havia transcendido o limite do admissível para revê-las diariamente, como se pudessem trazer à tona o que existiu de um relacionamento saudável.

Aquilo já o consumia após tantos anos vivendo dos ressentimentos que finalizara de modo brutal. Sabia que a própria morte também cessaria seu desconforto, então decidiu acrescentar ao legado de sua falecida esposa cartas que justificassem tanto amor, tão enfermo. Começaria pedindo perdão, reafirmando sua atitude violenta ou mencionando a esperança de que agora teriam, enfim, tempo suficiente para se dedicarem um ao outro.

Era carinhoso em cada palavra que escrevia só para ela, lembrando-se da risada engasgada que daria quando lesse a fúnebre declaração. Amava com ardor sanguinolento e ainda estilhaçava com dedicação uma vida que não podia estar paralela a sua. Agora era preciso mais do que uma caneta para aproximá-los novamente, colocando-os no mesmo papel.

*Imagem: The Deep, de Erin (Bluefooted)

dúvidas

Sentei-me à escrivaninha com a certeza em mente. Há tempos não usava aquela cadeira, esquecida no canto do quarto, servindo de cabideiro. Com papel e caneta na mão me perguntava por onde começar. Talvez o passado fosse um bom tempo para se relembrar, talvez o conflituoso presente precisasse ser explicado, ou ainda talvez fosse melhor te contar sobre a calmaria do meu esperado futuro. Mas quanto a esta última conjugação temporal eu tinha minhas dúvidas, e o simples ato de me sentar à mesa com este propósito representava a solidão em que me via. A falta de contato dos anos te transformou em um estranho. O endereço estava confirmado, o nome do remetente sempre fora conhecido, mas a coragem de te encarar novamente, mesmo que por uma simples carta, me fazia estremecer. As mãos deslizavam pelo rosto, os pés batucavam no chão e as pernas inquietas demonstravam toda minha impaciência. Você sempre me deu medo. Suas ações frente às minhas, tua reprovação, meus atos incertos.


Você nunca me aceitou.


Talvez nestes exatos 28 minutos eu tenha percebido que uma carta não faria diferença no transcorrer de nossas vidas. Talvez nestes tantos 2 anos eu tenha esquecido o quanto você me fez sofrer e que te reencontrar, nem que seja por palavras, não vale a pena. Talvez somente neste segundo eu tenha entendido que não existem acasos e milagres na história de um amor acabado. E, dessa forma, talvez esse seja só o resultado da reflexão sobre uma carta inexistente.


* tangled hair and dragonflies by ~noINKling

Will you help me to understand?

Eu te falei uma vez que não sabia escrever cartas, porque sempre deixei as letras soltas demais, acho injusto limitar as despedidas a uma carta final. Um ponto final petulante com as vírgulas, então pontuo como quero e vivo da mesma forma. Tudo é tão solto e a liberdade é sempre o que me prende, hoje, tento fazer tudo caber dentro das próximas linhas.

Estava imaginando como seria ficar longe por alguns poucos dias, meses, semanas, seria pouco mas faria de mim tão diferente, te deixaria diferente, voltaríamos com tanto assunto e a minha urgência continuaria? Os dias continuariam sendo dias quando a chuva parasse de cair e nós fossemos para ruas olhar a vida e sorrir dos outros? Talvez sorriríamos de nós, porque é preciso sempre uma dose de coragem e felicidade para seguir. Tudo é tão cheio de altos e baixos, que seria mais fácil continuar longe disso. Mas você já percebeu que o fácil não é o meu caminho. Vou sempre ser uma garota com muitas músicas, histórias, alguns amigos, livros e palavras.

Escrevo o roteiro da minha vida por linhas tortas, enquanto me perco em outros corpos, conhecendo outras histórias, reconhecendo o vazio em outros, que se não você, não me interessam. Embora, alguns deles me presenteiem com saudades. É um tanto de comodismo em continuar ao lado das minhas facilidades todas, porque não é tudo tão complexo como você teima em achar. Sou simples e minha complexidade é muda.

Eu queria te contar uma coisa, e como essa carta é sua, só você pode me julgar por ela. Estava ouvindo uma música sertaneja, está bem, várias músicas, não sei explicar, mas é como se houvesse uma nostalgia de algo não vivido. Tudo é preconceito diante dos nossos amigos e eu continuo sendo a mesma que vai preferir as bandinhas do norte do nada. Parece meio bobo, eu confessar assim, que ouvi algumas músicas, mas acho que você entende como é ser particular fazendo parte da roda.

Mas essa carta é para falar, que diante de tão pouco, eu me retiro. Porque a porta fechada é uma janela aberta. Não aguentaria me trancar em um lugar e só respirar o meu próprio ar. Preciso de vida e das vidas que tenho, trocaria tudo por aquilo, que não chega a existir. Passarei alguns meses fora. Mudarei de ares e resolverei o meu problema com a falta dele. Digo, sentirei a sua, mas do que mais poderia dizer, deixo o silêncio.



Adeus.





ps: o título é
daqui e a foto do Bruno.

ps.:

































































ps.: Era pra ser uma carta de amor.

domingo, 27 de julho de 2008

28ª Edição

Buenas, leitores [barulhinho de grilo],

esta edição está com um apelo musical, sentimental, experimental, dematarcompau e quantos "als" vocês conseguirem rimar.
Então aproveitem a boa música e curtam o show.

Ahh, e não percam as próximas edições, porque elas serão temáticas.
Cada membro meu dará um tema diferente para cada edição.

Beijo beijo, tchau tchau (acabei de inventar isso)!

Justiçando


Levantei a cabeça da mesa, babada na porção em frente ao monitor, para ouvir melhor os passos de alguém que se aproximava. Um pouco de atenção, compasso, intensidade, solado e eu já sabia quem era, por isso me preparei. Faltavam menos de cinco metros agora e eu estava pronta, como sempre, eu sabia exatamente o que deveria fazer.

O móvel em formato de L era voltado para uma imensa janela com vista para um cenário triste de concreto em obras, sem verde e sem vida. A porta ficava às costas do encosto e, do outro lado, estava um cúmplice encostado na parede oposta, voltado para a mesma paisagem sorumbática. Em silêncio, fomos coniventes com as intenções mútuas, que afloravam a cólera reprimida.


Um pé ultrapassou o limite inutilmente sugerido pelo batente da porta para a segurança do visitante e, então, começou o episódio que o faria se arrepender em breve. Um ataque amador, estimulado pelo gostinho ao improviso: canetas, grampeadores, estiletes, teclados em desuso, café quente, migalhas de biscoito, espirais de caderneta, clips e anotações, anotações e mais anotações contra a vítima.

A criatividade e o rancor movimentavam a cena, mas quanta influência do horrorshow diário era revertida para o martirizado! Um momento de libertação, já no fim do expediente, que talvez ainda fosse remunerado no fim do mês. Os assassinos mais mal pagos do mercado se exaltavam e satisfaziam como nenhum outro do ramo. É desse emprego que sempre estivemos atrás, uma integridade assalariada de conseqüências exorbitantes. Sem limitações.

Até amanhã.


* Imagem: Losing Your Head, de Riana Moller.

Sour Times

Primeiro ela tirou o esmalte vermelho das unhas e depois resolveu arrancar as próprias unhas. Olhava no relógio, mas o tempo insistia em ser clichê e não passar. Aquele telefonema avisando que ele passaria por lá para conversar era incomum demais, afinal o que era tão importante que não podia esperar até o final de semana?

Tinha algo estranho entre eles, algo que precisava ser consertado. Não era nada grave, porque ela tinha certeza que o amor que sentiam era maior que qualquer coisa. Cortou a unha do dedo mindinho esquerdo muito rente e percebeu que estava sangrando. Foi no banheiro lavar as mãos e a campainha tocou. Era ele.

Correu até a garagem e abriu o portão. Ela o beijou, mas não o sentiu. Entraram e sentaram no sofá.

- E aí? Está tudo bem com você? Estou curiosa – falou de forma descontraída tentando não demonstrar o medo que estava sentindo.

- Eu sempre fui sincero e direto com você. Prometemos não mentir ou enganar um ao outro, você se lembra desse nosso acordo, não lembra?

- Nossa claro que lembro. O que houve?

- Não posso mais continuar com você.

- Se você fez algo errado eu te perdôo, porque te amo demais e não vivo sem você – disse desesperada.

- Eu jamais ficaria com alguém que não amo, você sabe disso – ele disse com um olhar sério.

- O meu amor é o suficiente para nós dois. Eu posso te fazer um homem feliz – disse com um sorriso torto, resultado da mistura comum entre o amor e a dor.

-Quando eu digo "eu te amo" é para sempre - ela disse sentada no sofá.

-Quando eu disse "eu te amo" foi passado – ele disse indo embora, deixando a sala vazia.

Ela não o amava só com o coração, mas, também com o corpo, com a alma, com toda sua essência e aquela sinceridade tão brutal estraçalhou tudo o que ela era. Pensou que talvez a verdade fosse só uma forma absurda de ser infeliz e naquele momento queria a mentira que era o amor dele. Queria a mentira que precisava para ser feliz. O amor que só ela amou.

*Título de uma música do Portishead

Someday will be loved

Quando conheci você nunca imaginei que um dia fosse usar da minha fraqueza para te deixar. Você era o garoto com a verdade que os outros omitiam. Enganava os espectadores da vida com aparente inocência enquanto guardava para mim os seus segredos e vontades escondidas. Uma alma curiosa. Minha alma.

Naquela manhã tudo parecia demais. Os seus olhos brilhavam, as suas mãos encaixavam perfeitamente na minha, o seu toque era o meu, juntos formávamos uma melodia leve sem testemunhas. Fazer dos momentos, poesia, sempre foi a especialidade dos seus olhos. Mas era demais ficar.

Não posso fingir arrependimento, cada coração partido se remendará e um dia alguém te amará como amei. Como você nunca soube que seria amado. E as nossas lembranças poderão parecer mais sonhos ruins. Talvez você nunca vá entender os meus motivos e nem tão pouco posso te explicar.

Se você se sentir sozinho quando estiver adormecendo, olhe para o céu, procure a estrela mais brilhante, estaremos nela. O seu coração pertencerá a alguém que ainda está para conhecer e nesse dia será amado com a força que eu não pude te entregar. Mesmo que tenha amado cada doce palavra sua. Cada um dos mil momentos que chamamos de um. As músicas que desenharam nossa trilha.

Enganando as palavras e iludindo o futuro, te deixei com um bilhete, que dizia:


"someday you will be loved"

Na verdade,
tentei te deixar...

ps: O título e parte da idéia é dessa música do Death Cab for Cutie.

Tudo é muito bonito, mas sei lá

O mar estava sem ondas e o sol não estava tão quente. Era um fim de tarde de outono como outro qualquer. Na areia, todo o seu caminho percorrido em pedaços de pegadas que viriam logo se desmanchar entre os grãos, seus cabelos emaranhavam com o vento forte a seu favor. Tudo parecia a seu favor.

Estava diferente, percebendo cores e sorrisos. Se via no espelho d'água tão mais perceptível. Tudo parecia fazer sentido. Serenamente, deitou-se para ver o crepúsculo do sol e descobriu o quanto viver vale a pena. Não se sentia só naquele ocaso, e se sentia. Mais próximo de Deus.

Como as nuvens, seguiu seus passos lentamente de volta, sem mais zigue-zaguear em confusões. Tinha encontrado finalmente a saída do labirinto, a última peça do quebra-cabeça que havia perdido em suas desordens banzeiras.

Ouvindo canções lineares, desfez todo o caminho se jogando na areia, agitou o mar e ofendeu as estrelas ainda novas. Rasgou, mastigou e engoliu a peça que faltava, fechou a porta do labirinto se trancando do lado de dentro e apagou as luzes. Já não era tão belo seu sorriso, mas era muito mais sincero. Tudo é muito bonito, mas sei lá¹.


¹. Título de uma música do M.Takara

decadência

Em busca da imagem que procurava, olhei no espelho. Tinha esquecido há quanto tempo buscava ali o que certamente não encontraria. Só enxergava o reflexo das garrafas jogadas pelo quarto, a cama bagunçada, as cortinas fechadas. Enfim, o buraco em que eu vivia atualmente. A barba por fazer e o cabelo sujo denunciavam o tempo em que estive entregue a nada, nem ninguém. Uma jornada inútil rumo ao esquecimento.

Meu corpo estava molhado, os pesadelos tinham me acordado no meio da noite. Eles gritavam ao meu redor, ainda podia ouvir as vozes vindas de algum lugar dentro da minha cabeça. Eram reais. Minha mente se chocava com o inconsciente em busca de salvação. De algum modo eu buscava esperança e tentava me agarrar a algo sólido. Minha mente estava vazia, nada me segurava, eu caia. O fim do abismo estava próximo. Neste ambiente frio, seco e marcado por uma história infeliz, tudo o que se encontraria seriam desgraças e dores. Na minha cabeça, o desprezo era comandante de um corpo escravo cansado de viver.

A solidão me roubou as chaves da realidade e a consciência me negava a visão futura, um relance da continuação. O culpado pela sobrevivência era o mórbido prazer de planejar o fim. Meu estômago se contorcia com as infinitas possibilidades. Uma ampla gama de variedades para acabar com minha vida.

O ato final do espetáculo da minha vida foi sadicamente planejado. Ironias de um passado frustrante, um presente degradante e um futuro em paz.

_____________________________________________________________ Fim.

The same. But better.

Sabe, é muito ruim fazer as coisas sozinho. E desde que a casa tenha só minha presença e o som no último volume, eu me divirto. Mas não é a mesma coisa. Meu reflexo no espelho é a única forma humana que eu tenho visto e sujar os pés com a terra avermelhada do quintal não tem a mesma graça.

Ontem eu saí. Dei umas voltas com o meu irmão, que eu não via há algum tempo. Foi um bom momento. Eu sentei ao lado dele e de sua namorada enquanto a gente ouvia o som de uma banda ensaiada que tocava legal, até. Eu pensava e pensava e em vários momentos, aquela coisa me inspirou. Mas eu sabia que quando chegaria aqui e voltasse a dar o play no som e na minha solidão, as coisas piorariam.

Daí eu passei o dia todo me guardando para os prazeres efêmeros que eu tenho, quando estou sozinho. E acredite, nem andei pelado pelos cômodos dessa vez. Observei a tarde dançando comigo e me empolgando com as várias possibilidades de ter um dia bom. E o sol se foi. E eu olhei pro céu e lembrei daquele lance da lua ser a mesma aqui e lá, e aí, e em qualquer lugar.

Desci até a cozinha e abri aquela garrafa de vinho, guardada pra quando você viesse. Mas você dificilmente viria pra cá. Então, ela me fez companhia por algumas horas. Só algumas horas e eu estava olhando pro céu, novamente, procurando a lua onipresente que, veja você, se escondia essa noite.

Mesmo assim, coloquei na minha caixa de mp3 a música que move nossos pés enquanto estamos na sala, abraçados. Dei voltas no meu quarto e, sincronizado à ultima nota, a campainha tocou. Desci pra ver. Você sorria. Eu, já não era mais o mesmo.

Era novo.

domingo, 13 de julho de 2008

27ª Edição

Bonjour galere.

Nova edição, uma novidade: os marcadores indicam os textos exatos
de cada um do susi.
Então fique a vontade para nos ler juntos ou separados!

=*

Fortaleza


A infância permitia alguns luxos de que hoje a minha geração já está privada. Limpar a boca na toalha da mesa é só o começo. Se na época todos riam de algumas atitudes por serem tão bonitinhas, hoje o motivo da graça é manter tamanha ingenuidade.

Os monstros ainda podem estar no armário ou embaixo da cama, porque ninguém os tirou de lá. Certas obviedades da chamada maturidade só entraram para um consenso por terem se tornado habituais, mas na verdade pessoa alguma tem certeza sobre elas.

Almoçar sorvete em lugar da refeição, ter um trabalho divertido e fazer cabaninha de cobertor para assistir desenhos podem ser opções saudáveis para quem costuma levar tudo sempre à risca. E então, pensar que quando as coisas caminham pela avenida principal é motivo para insegurança não parece absurdo.

Se o pesadelo desta vez tem forma menos peluda e mais mundana é plausível que ele se refira ao medo de ser engolido pelo terrível Corriqueiro. Homem do saco pode ser balela, mas do novo perigo que vejo circundar por aqui nenhuma criança é receosa. Nem precisaria ser. Talvez sejam raros os ingênuos que ainda temem o perigo iminente da rotina que não conheceram.

Chega certa idade em que é preciso mostrar segurança e acatar as mudanças que vêm para deixar tudo sempre muito igual. Achar que pode ser diferente só desqualifica por expor a inexperiência. Ainda que esteja convicto do que reclama, a insatisfação é uma clara evidência de desajuste pessoal.


When you think the night has seen your mind
That inside you're twisted and unkind
Let me stand to show that you are blind
Please put down your hands
'Cause I see you


(I'll be your mirror - Velvet Underground)
*imagem: Ana Caselatto