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domingo, 27 de julho de 2008

Justiçando


Levantei a cabeça da mesa, babada na porção em frente ao monitor, para ouvir melhor os passos de alguém que se aproximava. Um pouco de atenção, compasso, intensidade, solado e eu já sabia quem era, por isso me preparei. Faltavam menos de cinco metros agora e eu estava pronta, como sempre, eu sabia exatamente o que deveria fazer.

O móvel em formato de L era voltado para uma imensa janela com vista para um cenário triste de concreto em obras, sem verde e sem vida. A porta ficava às costas do encosto e, do outro lado, estava um cúmplice encostado na parede oposta, voltado para a mesma paisagem sorumbática. Em silêncio, fomos coniventes com as intenções mútuas, que afloravam a cólera reprimida.


Um pé ultrapassou o limite inutilmente sugerido pelo batente da porta para a segurança do visitante e, então, começou o episódio que o faria se arrepender em breve. Um ataque amador, estimulado pelo gostinho ao improviso: canetas, grampeadores, estiletes, teclados em desuso, café quente, migalhas de biscoito, espirais de caderneta, clips e anotações, anotações e mais anotações contra a vítima.

A criatividade e o rancor movimentavam a cena, mas quanta influência do horrorshow diário era revertida para o martirizado! Um momento de libertação, já no fim do expediente, que talvez ainda fosse remunerado no fim do mês. Os assassinos mais mal pagos do mercado se exaltavam e satisfaziam como nenhum outro do ramo. É desse emprego que sempre estivemos atrás, uma integridade assalariada de conseqüências exorbitantes. Sem limitações.

Até amanhã.


* Imagem: Losing Your Head, de Riana Moller.

2 comentários:

Milla disse...

Ataques diários, um escritório sufocante e ainda resta criatividade para escrever de uma forma interessante.

Adorei Nana.

Até amanhã.

=**

Anônimo disse...

...e no meio de toda aquela confusão, entre objetos que por vários motivos, momentaneamente
se tornaram voadores, eis que surge sem nemhuma explicação um esqueleto rente a janela,
como se fosse pouco, estava acompanhado de mais quatro. Enquanto dois deles observa toda a
movimentação de longe, os outros dois debruçaram sobre a jenela e acompanham uma cena um tanto quanto inusitada.
Nem mesmo a presença de tais indivíduos, fez com que amainassem a situação, pois o grupo estava totalmente transtornado.
A única coisa de que me recordo, é de um breve diálogo entre os indivíduos que estavam apreciando tudo da janela:

- Poxa esquelético, que situação heim.
- Pois é meu amigo, são ossos do ofício.

(O Cúmplice)