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domingo, 7 de setembro de 2008

31ª Edição

Esta edição se dedica a um dos sonhos mais corriqueiros entre as pessoas: o icônico e libertário desejo de voar.

Por medo, ambição ou mera curiosidade o vôo é recorrente no universo onírico e, aqui, se materializa em seis versões destes que carregam a Susi - e talvez já pensem em arremessá-la do pedestal.

Então aproveite e se jogue também, baby!



beijo e até a próxima quinzena
;]

Longe, acima do mundo


Era um fixado, cujas raízes lhe haviam sido recentemente arrancadas, que ouvia uma fábula, dessas geralmente contadas para crianças com a intenção de passar uma lição moral. Deixou a sala com um bilhete aéreo em mãos, somente de ida.

Take your protein pills and put your helmet on

Corria para longe de casa porque tinha pressa em dar os últimos passos antes de embarcar em busca da causa maior que havia procurado até então. Sem grandes ambições, afinal era um projeto pessoal, ele entrou no aeromodelo que o levaria para a experimentação de um devaneio.

Assim que perdeu o contato indireto com o solo ao qual esteve preso por tanto tempo, ele se percebia pela primeira vez de maneira avulsa e capaz de envolver efetivamente o seu contexto. Abriu a porta e se adentrou na lasciva sensação de pertencer a alguma coisa, sem que estivesse dependente ou preso a ela. Era único, em reciprocidade com o que estava ao seu redor.

Now it’s time to leave the capsule if you dare.

Voava de um jeito particular e notava o céu como se ele nunca tivesse estado ali. Mergulhando sem fim naquilo que julgou ser o maior objetivo que poderia ter para toda uma vida, imaginava que era um dos poucos a se realizar tão completamente. Quiçá o único, pois ele já não distinguia em toda a paisagem que o ambientava, alguém tão avulso quanto estava que compartilhasse de tamanha liberdade.

I'm feeling very still

O sentido se esvaia e a queda chegava ao fim com a aproximação do chão. Num vácuo, ele clamava pelo fim do sonho explicando ter ocorrido um "erro técnico", de uma expectativa mal planejada.

There’s something wrong.

Can you hear me, Major Tom?
Can you hear me?


* texto baseado na música do David Bowie, Space Oddity.

No ar

- Vamos comigo!
- Ah não sei, o homem não foi feito para voar.
Ele a olhou pedindo que confiasse e ela foi.



Primeiro foi o medo e a vontade de desistir. Pensou nas pessoas que morreram nessas situações e depois pensou nas que morreram de diversas outras formas. De repente morrer não era mais problema. Morreria um dia de qualquer forma mesmo.

Depois veio a excitação e a vontade que fosse logo porque tinha medo de amarelar e desistir. Ela teve medo e quis recuar, sorria nervosamente, mas não desistiu. Aquelas asas mecânicas a assustavam de certa forma, então ela buscou as mãos dele e conseguiu permanecer ali.

Tudo pronto. Respirou fundo e subiu os dois degraus. Nessa altura se sentia acuada e segurava no que podia para imaginar que estava presa a algo. Do banco da frente ele virou, a olhou e sorriu. Foi aquilo que a manteve ali. Era a segurança que precisava. Ele, do seu lado.

O avião correu pela pista e subiu. Respirou fundo e já não se segurava mais em nada. Estava solta. Olhava ao redor como se fosse cega antes daquilo. Nunca tinha visto a cidade tão pequena. Agora ela o chamava para apontar uma nuvem, um prédio, uma montanha. Não conseguia deixar de sorrir.

Quando voltou para o chão achou que aquela sensação boa iria logo embora, mas não foi. O que sentia estava atrelado à superação do medo e como o amor que sentia por ele ajudou nisso.

Talvez o homem não seja feito para voar literalmente, deve por isso que há aviões e pessoas capazes de fazer as outras saírem do chão, seja em um bimotor ou com um olhar, como ele, que fez as duas coisas.
*Foto dele.

Utopia


Dentre tantas qualidades, algo me faltava. Sentia que a perfeição estava a um passo, e mesmo assim nunca conseguiria alcançá-la. O último detalhe me era negado, e isso me abalava mais que tudo. Ninguém especial o colocava fora de alcance, minha mente e meu corpo sofriam das limitações. Minha cabeça, sempre tão fechada, relutava em acreditar na impossibilidade. A caminho de me tornar aquilo tudo que todos queriam, a liberdade me fez falta.

Só nos vôos da minha imaginação, eu era quem realmente sou. Escondida da realidade, eu flutuava por minhas verdades, brincava com minhas incertezas e me perdia em expectativas. Conseguia viver o medo que invadia meu corpo quando fugia do caminho já traçado. Poucos entendiam minhas viagens particulares, pois só eu conhecia o destino.

- Nada sozinha, escala montanhas, liberta desafortunados. Há algo que não faça?
- Voar.


* Título e diálogo: Ever After / Imagem: stellaimhultberg.com


Hey you! Up in the sky learning to fly



Entrou na sala como um sopro de vida e de repente tomava conta de cada canto do apartamento. Brincava com minhas manias infantis que escondi de todos, menos dos seus olhos risonhos, me mostrou estrelas e me fez voar como nunca antes. Me mantive distante e indiferente, guardei dele tudo que indicasse como meu pensamento se esquecia diante da pressa de seus passos.

Ele curtia cada uma de suas neuras, experimentava conceitos, fazia das dúvidas o prato principal. Esquecia o mundo e era por ele esquecido, ficava horas parado diante de um livro, ouvia repetidas vezes a mesma música. Me tirava pela mão e me pedia com um olhar que fossemos juntos. Voamos pelo céu azul e por entre tempestades. Sorriamos e discordávamos o tempo inteiro, tínhamos na essência o mais importante, respeitávamos um ao outro como a nós mesmos. Cansávamos em tempos diferentes, mas mantínhamos as mãos dadas.

Ele segurou a respiração para mim. Guardou o melhor de si e me deu o melhor de mim. Me mostrou que eu podia viver apesar de, voar apesar de, crescer apesar de. Fez das minhas diferenças o oxigênio. Entrou naquele apartamento com os olhos risonhos e eu percebi que, não podia mais deixar de voar, era ele e o meu próximo destino chamava: céu.



Foto: Maripê
http://www.flickr.com/photos/maripereira
Título: Oasis

Um, dois, três e já!

- Eu planejei tanto minha viagem fora das paredes que a cidade impôs, que hoje tenho medo de passos falsos.


.


.


.


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Ser super-homem quando pequeno era tão mais fácil.
A diferença é que agora a capa de lençol precisa me fazer voar de verdade.
Longe dos passos falsos.

Nunca Mais


Sempre acreditei que podia voar. Sonhava achando ser verdade que tocava as estrelas, que habitava planetas... que minha nave espacial era especial. Minha vida inteira num pouso de mentira. Minha fé é brincadeira.

Aonde ninguém foi jamais, eu venho em paz, sou um patrulheiro espacial. Vôo feito pássaro, plano feito avião, voar é só querer, basta crer e voar. Mas lá embaixo eu vi desaparecer.

Nunca mais sentir o vento frio contra o capacete, explorar as galáxias, ser leve novamente. É pesada a gravidade, sempre foi. Sempre foi verdade. Abrir as asas não faz mais sentido. Aprendi que voar eu não vou nunca mais, só cair, sempre cair... com estilo.


"Éééééé
Voar, eu não vou
Nunca mais"