Meus olhos fecharam-se e minhas pálpebras já não mais me obedeciam. Caminhava cego pelas ruas, porém despreocupado. Era um caminho de todo dia. Só via o que era necessário. Sendo assim, os olhos tornaram-se obsoletos naquela terra. Não havia mais função alguma para se usar a visão na rotina. Quanto descaso.
Sentia a brisa daquela noite. Um sopro delicado acariciava meu rosto. Esquecia meus tênis e sentia o que devia sentir. Andava cada vez mais rápido e arrancava minhas roupas. Elas nos fazem escravos. Aqueles que ainda tinham olhos, me olhavam. Suas vozes eram abafadas porque nada interessante diziam. Como sempre não dizem. Meus ouvidos não eram necessários para mais que aquela música em meus ouvidos. O chão cada vez mais distante se despedia de mim contente por aliviá-lo.
"Abra os olhos" ecoava como se fosse de dentro de mim. Passeava pelo céu gelado e me enrolava nas nuvens para suprir o frio. Aqui me sentia extremamente bem, nesse vazio. Sentia o vento cortar-me os póros fazendo-me sorrir. Eu queria mais. Queria o calor de uma estrela. E nada me impedia.
Era uma longa viagem, conforme atravessava camadas de tempo e espaço, eu ficava mais velho. Cada vez mais. E mais fraco. Aquilo me consumia, mas eu só me permitiria morrer no calor do colo de Afrodite, na luz das estrelas. E lá pereci. Quanto mais me aproximava, mais escura elas ficavam. Quanto mais perto chegava, mais frio ficava. Meus pequenos sóis, minhas doces ilusões. Rochas retraídas e mortas como eu. Cansado, comecei a esfarelar e enrijecer. Já não conseguia me mexer. Aquela luz eram os olhos da paixão. Seu calor, era desejo. E pude entender o porquê de todas aquelas estrelas no céu.
segunda-feira, 3 de dezembro de 2007
Venus in Furs
Postado por Yuri Kiddo às 03:21 1 comentários
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Curva desreguladora
Movimentos retilíneos e constantes são executados de maneira quase imperativa pelas pessoas ao longo de um dia inteiro. Ninguém os convida, nem vê opção para que seja diferente. A dinâmica corporal é um hábito que nada tem a ver com as vontades de quem a permite; muito pelo contrário, ela é tão intrínseca e particular que foge aos regramentos estabelecidos por cada um, garantias da personalidade conduzida.
Os passos são dados de maneira débil, insegura e lenta, os gestos são dispersos, a escrita é regida por outro ritmo independente do que carrega suas idéias e a dança é interna, imperceptível aos olhos de quem julga vê-la. Uma descrição banal como essa sobre a postura dos indivíduos a partir de sua movimentação leva à formação de sua imagem, apesar de todas as singularidades entre um movimento genérico e outro. Como dizer, por exemplo, que a caligrafia é uma extensão da personalidade e a observação de uma frase escrita em letra corrida pode desvendar alguma característica pessoal?
O costume adquirido em anos e alguns fatores mais específicos são desprezados por “analistas” que costumam aparecer com mais freqüência em programas de televisão direcionados a donas de casa, ou revistas cujas pautas são selecionadas pelos próprios leitores. Eles traçam um perfil pelo contato mais superficial e padronizado que puderem ter dentro do limite de cinco minutos. Como em sessões de terapia, a esperança é a de conseguir incluir a pessoa em um determinado grupo para deduzir o modo como deve se lidar com ele.
Algumas das características individuais são atropeladas para possibilitar o encaixe em moldes pré-estabelecidos e eles já existem em diversos departamentos, cada vez mais fragmentados, visando a maciça inserção por algum aspecto em comum. Desde um posicionamento político ao modo como dirige o olhar, as pessoas estão aptas a se incluírem em qualquer grupo que quiserem e, dentro deles, a serem analisadas de maneira uniforme por qualquer um de fora que pensar ser conhecedor de tais especificidades.
Ao apressar o passo, você é posto num patamar de urbanizados, inquietos e compromissados. No entanto, feito o contrário, o relaxo é ressaltado e levado às últimas conseqüências, podendo ser considerado fruto do desinteresse pelos dias que só passam. O meio termo entre estes dois extremos é omitido por não ser denunciador de nada muito interessante, neste caso, o grupo é comum demais para ser levado em conta. Há necessidade de beirar o extravagante, contudo isso não ocorrerá enquanto existirem muitos adeptos do mesmo trejeito.
Diante de tantas ocorrências de “inclusão”, sobra pouco espaço para as curvas daqueles que desvencilham-se do movimento padrão em linha reta. Sento-me na guia desta estrada para acompanhar estes que rasgam os blocos congestionantes, já que, quando são desmembrados, qualquer movimento recupera sua singularidade e ganha novas opções para a trajetória.
Postado por Ana às 00:33 1 comentários
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domingo, 2 de dezembro de 2007
It's what you do to me
Você chegou sem avisar. Tomando conta dos espaços, preenchendo o vazio. E, de repente, eu te tinha por perto, e tudo parecia certo e correto e seguro. E quando você sorria, eu sorria, e você me fazia feliz, como nunca, como sempre. E era bobo, e me contava histórias que eu não entendia, sempre falando, eu sempre sorrindo. Você chegou, descarregou as malas, e quando o caos passageiro da mudança acabou, as emoções se normalizaram, deixando a alegria e sorrisos.
Os dias pareciam completos, e minha imaginação tinha a quem retornar quando se via perdida em delírios e preocupações inúteis. Eu te usava como ponto fixo, me mirava em seu reflexo criado em minha mente quando não achava onde me apoiar. E dessa maneira, me prendendo a você, enfraqueci. Quando, naquela tarde, você me deixou, não só minhas pernas fraquejaram com o peso de sua decisão, o coração trincou, e, por um momento, pensei que não suportaria os arranhões dos estilhaços no peito.
E então você se foi. Naquela tarde. Só me deixou ouvidos impregnados com sua voz, meus olhos, e seu rosto. Pra onde olhava, te via. Voltei para aquele mesmo lugar. Foi ali, entre sexo, drogas e pubs irlandeses. Naquela tarde, na frente da igreja, o pôr-do-sol dava um ar dourado às torres da igreja. Papéis que anunciam algo numa língua estranha espalhados pelo chão, pombas, lixo, pessoas e você. Foi ali que te achei. Naquele tarde de sol dourado.Você com seus três amigos, tirando fotos em frente à Madame Tussauds. Você olhou, e naquele olhar, tontura e pânico, me perdi. Foram poucos segundos, separados pelo asfalto e a faixa de pedestres, antes que o farol abrisse e a multidão te levasse embora. Procurar-te não foi suficiente, perdi o instante mágico daquele olhar, que enganchou na minha alma e machucou ao separar-se. Em algum momento, inebriada por sua falta, o enxerguei. Foi um daqueles sorrisos, sabe, meio de canto, que nos faz pensar em milhões de possibilidades que poderiam ser, mas que logo deixam de existir. Quem dera ter ouvido minha razão e, então, o pessimismo convicto tivesse mantido as chances queimando lá dentro. Continuariam a arder, e não causariam os estragos que você provocou. Entre tantos outros sorrisos, você foi Amsterdam.
Sempre foi assim. Coleciono olhares, donos de sorrisos. Por onde passo, te acho. Você com o cabelo bagunçado e os olhos cansados, você com aquele brilho intacto e os dentes a mostra, você com os pés no chão enquanto os pensamentos voam. Os olhares me atraem, as possibilidades aparecem e tudo acaba com um belo sorriso. Guardo a lembrança como um retrato em minha mente e despejo as idéias que assombram o futuro no espaço da imaginação. Porque assim é tudo mais simples. Meus dias voltam ao normal, e as ilusões não me sufocam.
Postado por De Lancret às 23:39 2 comentários
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