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domingo, 10 de agosto de 2008

29ª Edição

Caros e caras,

A partir desta edição, começam os especiais (!) [ié! digam: ié!!!].
Isso consiste em uma rodada para cada membro sugerir um tema. E logo de cara serão seis textos sobre "cartas". Dos remetentes aos pacotes extraviados, não deixem de respondê-las ou retrucá-las.

Garantimos assinatura e o menor risco com bombas.


Ficadica.

Beijo.

[...]


eu pensei em mil coisas antes de me arriscar nestes riscos. trouxe todo o peso pra cá, mas decidi que faria isso com a maior leveza que conseguisse. há tempos não sei qual a forma de minha letra. a tecnologia moldou meu costume de apenas mandar e-mails, mas aqui onde estou a tecnologia se mantém afastada. tão longe quanto os passos que nos separam, e acredite, é tão maior que meu pensamento.


antes que qualquer outro parágrafo passe por mim sem eu perceber, quero me desculpar pela demora. na verdade, quero me desculpar pelo silêncio. é até engraçado me desculpar por algo tão usual entre nós, mas eu me desculpo por pensar que você se engana quando me acha tão egoísta a ponto de sair assim, sem dizer nada.

então eu resolvi usar estas linhas pra esclarecer algumas coisas. contar outras. nesse tanto de terra, mar e céu, tornei sua lembrança mais próxima de mim. como se eu tentasse, mas não conseguisse pensar em mais ninguém pra começar dizendo o que digo para os que eu deixei. e peço para que compreenda. saí porque foi preciso, deixei tudo pra trás porque a vida me pediu.

outro dia, nas tantas linhas que tracei, cruzei com uma mexicana de olhos pequenos. sorriu pra mim ao dizer que às vezes é preciso estar longe para o lar fazer sentido de novo. ela me mostrava todos aqueles dentes, um sorriso largo que não foi embora junto à sua bicicleta. desde então, guardo tanta coisa do que vejo. uma rua, um olhar... os sorrisos.

o céu às vezes torna-se infindo no horizonte pra me fazer compreender os anos. e eu permaneço aqui, revirando as caixas que guardo em minha casa nova. aliás, você iria adorá-la. quando o sol bate de manhã na sala, eu lembro das vezes em que você aparecia de surpresa. preenchia os cômodos. enchia a varanda de girassóis.

ela não está tão completa com todos os seus toques, mas eu tento fazer algumas coisas como você. e a encho de memórias. afinal, as memórias não podem pertencer a mais ninguém. e eu deixo a estrada me levar. até eu ter a certeza de que o destino se lembre dos caminhos que tracei desde que você tenha se tornado apenas uma memória.




em anexo mando uma foto, um girassol e um abraço.
espero que cheguem inteiros.

You hav[e]mail


Boletos, propagandas, cobranças, promoções imperdíveis e inclusão do nome nos órgãos de proteção ao crédito, enfim, essas coisas. Nunca tem nada pessoal. Os amigos não escrevem, nem mandam cartões.

As mãos atrofiadas já não sabem mais o que traçar com uma caneta, e os dedos só sabem bater e seguir as representações do que seriam letras. Não mando e nem recebo mais cartas. Muitos não saberão como é minha grafia e nem como puxo a perna da letra S. Muitos nem sabem que o S tem perna, né?

Eu ainda sei usar um lápis e um papel, mas tenho medo de te mandar uma carta e você achar que seja um novo tipo de vírus e, sem pensar duas vezes, jogue na lixeira azul e recicle meus sentimentos até que eu fique como você, sem essência.

Na verdade só quero dizer adeus para a realidade e olá a virtualidade, porque as palavras escritas com uma Bic azul foram embora junto com quem eu era. Agora sou um nome arroba em um domínio que não me pertence.

Mais próximo


A morbidez foi, de fato, deixada às traças no fundo do armário embolorado pelo mofo. São muitas as cartas de remetentes desconhecidos perguntando por novidades daquela amiga querida, não mais apta a retribuir tanto zelo. Lia uma a uma, não com remorso e, sim, com uma sutil inveja por nunca ter recebido tamanhas demonstrações de afeto. Gostava de ver como ela ainda era amada, pois entendia as razões para que fosse, mas faltou o caráter mútuo desta admiração que o manteria firme à sanidade.

Além das correspondências, o cantinho mofado guardava ainda tudo referente àquela mulher que desejou de maneira irracional, em um amor intenso e delituoso. Fugiu com todas as evidências de que a sua paixão havia transcendido o limite do admissível para revê-las diariamente, como se pudessem trazer à tona o que existiu de um relacionamento saudável.

Aquilo já o consumia após tantos anos vivendo dos ressentimentos que finalizara de modo brutal. Sabia que a própria morte também cessaria seu desconforto, então decidiu acrescentar ao legado de sua falecida esposa cartas que justificassem tanto amor, tão enfermo. Começaria pedindo perdão, reafirmando sua atitude violenta ou mencionando a esperança de que agora teriam, enfim, tempo suficiente para se dedicarem um ao outro.

Era carinhoso em cada palavra que escrevia só para ela, lembrando-se da risada engasgada que daria quando lesse a fúnebre declaração. Amava com ardor sanguinolento e ainda estilhaçava com dedicação uma vida que não podia estar paralela a sua. Agora era preciso mais do que uma caneta para aproximá-los novamente, colocando-os no mesmo papel.

*Imagem: The Deep, de Erin (Bluefooted)

dúvidas

Sentei-me à escrivaninha com a certeza em mente. Há tempos não usava aquela cadeira, esquecida no canto do quarto, servindo de cabideiro. Com papel e caneta na mão me perguntava por onde começar. Talvez o passado fosse um bom tempo para se relembrar, talvez o conflituoso presente precisasse ser explicado, ou ainda talvez fosse melhor te contar sobre a calmaria do meu esperado futuro. Mas quanto a esta última conjugação temporal eu tinha minhas dúvidas, e o simples ato de me sentar à mesa com este propósito representava a solidão em que me via. A falta de contato dos anos te transformou em um estranho. O endereço estava confirmado, o nome do remetente sempre fora conhecido, mas a coragem de te encarar novamente, mesmo que por uma simples carta, me fazia estremecer. As mãos deslizavam pelo rosto, os pés batucavam no chão e as pernas inquietas demonstravam toda minha impaciência. Você sempre me deu medo. Suas ações frente às minhas, tua reprovação, meus atos incertos.


Você nunca me aceitou.


Talvez nestes exatos 28 minutos eu tenha percebido que uma carta não faria diferença no transcorrer de nossas vidas. Talvez nestes tantos 2 anos eu tenha esquecido o quanto você me fez sofrer e que te reencontrar, nem que seja por palavras, não vale a pena. Talvez somente neste segundo eu tenha entendido que não existem acasos e milagres na história de um amor acabado. E, dessa forma, talvez esse seja só o resultado da reflexão sobre uma carta inexistente.


* tangled hair and dragonflies by ~noINKling

Will you help me to understand?

Eu te falei uma vez que não sabia escrever cartas, porque sempre deixei as letras soltas demais, acho injusto limitar as despedidas a uma carta final. Um ponto final petulante com as vírgulas, então pontuo como quero e vivo da mesma forma. Tudo é tão solto e a liberdade é sempre o que me prende, hoje, tento fazer tudo caber dentro das próximas linhas.

Estava imaginando como seria ficar longe por alguns poucos dias, meses, semanas, seria pouco mas faria de mim tão diferente, te deixaria diferente, voltaríamos com tanto assunto e a minha urgência continuaria? Os dias continuariam sendo dias quando a chuva parasse de cair e nós fossemos para ruas olhar a vida e sorrir dos outros? Talvez sorriríamos de nós, porque é preciso sempre uma dose de coragem e felicidade para seguir. Tudo é tão cheio de altos e baixos, que seria mais fácil continuar longe disso. Mas você já percebeu que o fácil não é o meu caminho. Vou sempre ser uma garota com muitas músicas, histórias, alguns amigos, livros e palavras.

Escrevo o roteiro da minha vida por linhas tortas, enquanto me perco em outros corpos, conhecendo outras histórias, reconhecendo o vazio em outros, que se não você, não me interessam. Embora, alguns deles me presenteiem com saudades. É um tanto de comodismo em continuar ao lado das minhas facilidades todas, porque não é tudo tão complexo como você teima em achar. Sou simples e minha complexidade é muda.

Eu queria te contar uma coisa, e como essa carta é sua, só você pode me julgar por ela. Estava ouvindo uma música sertaneja, está bem, várias músicas, não sei explicar, mas é como se houvesse uma nostalgia de algo não vivido. Tudo é preconceito diante dos nossos amigos e eu continuo sendo a mesma que vai preferir as bandinhas do norte do nada. Parece meio bobo, eu confessar assim, que ouvi algumas músicas, mas acho que você entende como é ser particular fazendo parte da roda.

Mas essa carta é para falar, que diante de tão pouco, eu me retiro. Porque a porta fechada é uma janela aberta. Não aguentaria me trancar em um lugar e só respirar o meu próprio ar. Preciso de vida e das vidas que tenho, trocaria tudo por aquilo, que não chega a existir. Passarei alguns meses fora. Mudarei de ares e resolverei o meu problema com a falta dele. Digo, sentirei a sua, mas do que mais poderia dizer, deixo o silêncio.



Adeus.





ps: o título é
daqui e a foto do Bruno.

ps.:

































































ps.: Era pra ser uma carta de amor.