A morbidez foi, de fato, deixada às traças no fundo do armário embolorado pelo mofo. São muitas as cartas de remetentes desconhecidos perguntando por novidades daquela amiga querida, não mais apta a retribuir tanto zelo. Lia uma a uma, não com remorso e, sim, com uma sutil inveja por nunca ter recebido tamanhas demonstrações de afeto. Gostava de ver como ela ainda era amada, pois entendia as razões para que fosse, mas faltou o caráter mútuo desta admiração que o manteria firme à sanidade.
Além das correspondências, o cantinho mofado guardava ainda tudo referente àquela mulher que desejou de maneira irracional, em um amor intenso e delituoso. Fugiu com todas as evidências de que a sua paixão havia transcendido o limite do admissível para revê-las diariamente, como se pudessem trazer à tona o que existiu de um relacionamento saudável.
Aquilo já o consumia após tantos anos vivendo dos ressentimentos que finalizara de modo brutal. Sabia que a própria morte também cessaria seu desconforto, então decidiu acrescentar ao legado de sua falecida esposa cartas que justificassem tanto amor, tão enfermo. Começaria pedindo perdão, reafirmando sua atitude violenta ou mencionando a esperança de que agora teriam, enfim, tempo suficiente para se dedicarem um ao outro.
Era carinhoso em cada palavra que escrevia só para ela, lembrando-se da risada engasgada que daria quando lesse a fúnebre declaração. Amava com ardor sanguinolento e ainda estilhaçava com dedicação uma vida que não podia estar paralela a sua. Agora era preciso mais do que uma caneta para aproximá-los novamente, colocando-os no mesmo papel.
*Imagem: The Deep, de Erin (Bluefooted)
domingo, 10 de agosto de 2008
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