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segunda-feira, 24 de setembro de 2007



Chegou o par.
Oitava edição.

Um convidado e o sábado que antecedeu o fechamento dessa edição especiais. Aquela simplicidade que não precisa ser anunciada. E tudo vale a pena por estar junto com as pessoas que tornam o fardo de trabalhar e estudar mais leve. Pessoas que dividem os sentimentos bons e ruins com você.

Sinceridade. Acho que a base da relação desse zine é essa. A gente se ajuda a cada nova edição. A aceitar os comentários, nem sempre bons, e isso é enriquecedor. A fazer os textos. A ter idéias. Crescer e aceitar as divergência. É um dos passos que a gente dá a cada dia. Todo mundo muito diferente. Idades diferentes, gostos diferentes, e as semelhanças perfeitas para encher qualquer segundo de assunto.

Foram dez dias intensos na vida de algumas pessoas desse zine. Na verdade, consigo lembrar um fato que tenha marcado a vida de cada um deles. Discussões, perda de aulas, e um novo trabalho bem bacana.

O convidado especial é o Yuri, querido de todos do zine, temos uma opinião unânime quanto a esse gibi-com-frases-efeito. Ele mantém o
Wonderland[o]. Companheiro de profissão, sorrisos, cafés e tiração de onda.

O número par vem com o gosto de amizade ainda mais forte.

Mais textos, novos assuntos, e uma outra novidade para a nona edição.
=]

Relato de um pleno fim de feiras

No início era apenas um. Eu e todo o sentimento de ser livre num sábado de manhã. Quase tinha me esquecido o que era isso. Mas sabia de seu valor. A casa é grande quando não tem ninguém. O microondas é amigo por sermos só.

Acontece que as horas passam e o ponteiro marca, com atraso, o que faz o resto do dia tornar-se melhor. Alegria quase palpável e a divisão de tudo que a torna assim, tão grande, tão nossa. Chegam três, depois mais dois e a sala transborda tudo o que poderia fazer falta quando era apenas um.

Dividimos sorrisos, segredos, o amor mútuo sem preocupações, mímicas e o controle do video-game. A falta de espaço no banco do carro é pretexto que condiz ao valor da união. Qualquer sentimento não ligado à cumplicidade é menor que o minuto passado. Entre as caras de surpresa pelo tamanho minúsculo da pizza e a troca de músicas entoadas por monossílabas, descobrimos que o pouco fez o simples se tornar pleno.

Pelas horas que não deram conta da percepção, o dia acabou e começou de novo. E o novo trouxe a felicidade do anterior. A televisão veio para o aconchego no sofá ser notável e, depois, quando o "um" se fez novamente, o coração já se sentia mais aliviado.

Pelo novo ser dia de viagem, a espera pela noite é maior que a quantidade de batimentos por minuto. O domingo faz tudo ficar preguiçoso e os motoristas de ônibus não reagem indiferentes. O elevador sobe conforme minha ansiedade cresce e depois de falar tudo o que convém dizer, as estrelas que nunca estão ali, hoje brilham para confirmar que qualquer extensão do céu é pouco quando nossas mãos balançam juntas nos caminhos que traçamos pela cidade.

De tudo o que é, de tudo o que já foi dito e que ainda precisa falar, o dia termina valendo mais do que antes pretendia. O sono a dois traz a lembrança de como é ter paz, a semana começa com chuva e o coração mais leve.

No rosto, os olhos falam mais que qualquer palavra, e o obrigado a todos que fizeram acontecer é explícito e inevitável.

Sendo assim, Obrigado!

Nem a lupa te encontra


Eu tiro os óculos, esfrego os olhos com a esperança de ver além do que consigo e minha cabeça dói.

Longe de tanta coisa, queria distância de mim, porque eu me sufoco e às vezes o melhor a fazer é me ignorar ou correr, o máximo que consigo é me esquecer, já que correr de mim mesma seria literalmente loucura.

Nunca me importei realmente com algumas coisas, como por exemplo, saber combinar as cores do verão (talvez porque só use preto) e a importância de beber dois litros de água por dia, que, aliás, é um absurdo, quem bebe isso no mínimo quer competir com a Terra em volume d´àgua.

Uma coisa que sempre me incomodou é a existência do suposto ser divino e como surgimos, porque as historinhas de sementinha e cegonha sempre me ofenderam, até mais que a do Papai Noel.

Dependendo do dia eu até acredito que exista uma força maior que regula o mundo, algo como a tal mão invisível que os economistas acham que controla o mercado.

Bando de doidos essas pessoas supracitadas acima, onde já se viu achar que justamente uma única mão, sozinha e desprovida de cérebro, seria capaz de entender justamente economia.

Tem também os dias que eu creio que a única força que regula o universo é a do caos e tem os momentos humanistas que acho que o coletivo é quem dita a ordem das coisas.

Mas voltando a minha crise existencial, às vezes me sinto como uma semente mal criada, fraquinha sabe?Perdida no meio do deserto sem entender se foi parar lá por causa do vento ou se algum passarinho a levou no bico.Alguém sabe de onde veio? Se Deus existe, será que ele sabe como surgiu?

Será que herdamos isso do nosso criador, que na euforia de criar algo, se esqueceu de mostrar de onde viemos assim como se esqueceram dele?

Pior é se depois de morta encontrar Deus e:

Eu: Como o Senhor me criou?Descreva-me o momento da criação.

Deus: Não sei, achava que vocês tinham me criado, busco a mesma resposta.


.......................................................................................so fucking sad.

Inside my head


Às vezes eu paro na porta da minha vida e começo a olhar lá para dentro. Vejo as pessoas que passaram por aqui, as que passam correndo, as que ficam, as que aparecem. Da porta da minha vida tudo parece tão mais interessante.

Entro, tímida. Atravesso o corredor da minha história. Descanso as cartas na mesinha da sala. Atravesso as escadas e começo a subir. Ando cada passo mais para dentro. Visito os quartos. Sinto os medos. Atravesso. E continuo andando por entre a minha vida. Uma roleta russa. Sempre atirando sem saber quando a bala resolve se soltar de vez.

Sinto falta de uma coisa forte que me tire de vez daqui, de dentro de mim. Me arranque as palavras. Me puxe os cabelos com força. Uma coisa e tudo diferente. Só uma verdade enorme metida dentro dessa voz triste. Ecoando do outro lado da casa. Tão longe que o eco quase virá uma palavra. Andei por toda vida com suas palavras virando duas na minha cabeça. Tudo que você desfilou em voz alta.

Atravessei você. Ando pelos quartos. Sento no porto-seguro infantil. Aquela pureza toda ali parada. As minhas milhares de cicatrizes vindas daquela época. Posso contar a minha vida olhando o meu corpo. Apontando as feridas. As férias com meus primos. O meu amor pelos cavalos. Deve vir daí o meu amor por você. Um cavalo sem gosto bom. Com o pêlo mais macio. Os dentes mais bonitos. Te comprei, como meu vô compra cavalos. Pelos dentes. Os seus dentes e como eles sabiam ser especiais.

A minha adolescência. Os meus saudosos quinze anos. O meu quarto e esse computador com o qual ainda divido minha vida. Foi lá onde tudo começou. Talvez, minha vida tenha entrado nesse ciclo quando eu tinha 15 anos e tudo continua ali. As coisas me atormentam mais. Pego a arma e tento mais uma vez. A roleta gira e eu ainda tenho o meu corpo em matéria para desfilar nessas mentiras.

Ontem à noite. Ontem e a casa do meu amigo. E os meus amigos. Entrei em outro lugar e ainda é a minha vida. É a minha história toda mudada. Enquanto nos perdíamos até chegar lá, pensei em um pedaço do que me aconteceu. Tudo poderia ter sido diferente e eu não estaria ali. Muito provavelmente eu não seria assim. Tudo teria continuado insosso demais, falso demais, sem graça demais. Eu precisei de tudo aquilo. Eu precisei de você para poder arriscar os meus miolos nessa roleta russa.

Vou guardar os meus tiros para quando te apagar da lembrança. Tranco a porta da minha vida. E continuo andando para fora, eu sempre continuo.

Julgamento de um orgulho afoito


Naquele dia ele não ligou. Convenhamos que a expectativa era quase nula já que nunca falavam nada demais; contudo, aquela dose diária de superficialidade já tinha se tornado um hábito necessário sem que ela percebesse. O estranhamento dessa ausência não foi suficiente para que se preocupasse e, assim, tomasse uma atitude evitando o que aconteceria em seguida: aquele dia foi só o primeiro da revolução dos costumes que nunca a agradaram, mas cuja mudança também não iria a favor de seus anseios.

Supondo que no dia seguinte haveria uma explicação, não deu importância e por muitas outras vezes agiu com a mesma tranqüilidade. A calma sempre aparenta uma imensa paz de espírito nos outros, de maneira até estúpida uma vez que a paciência para lidar com um problema não necessariamente significa que eles não existam ou incomodem. Parece indiferença, ignorância, covardia e até demência, mas quem cogitaria que a calma pode ser simplesmente um orgulho que se impõe a qualquer afetuosidade?

O senso comum apontaria outras respostas mais óbvias e a passividade seria a conclusão precoce à qual a maioria chegaria caso conhecesse tal pessoa, que parece estar sempre jogada ao acaso, sem força de vontade para atingir algum objetivo. O fato é que às vezes parece existir um impedimento social para se levar a sério algumas vontades. Os valores que a cercavam bradavam “imoralidade” em seus ouvidos a cada vez que pensava ser melhor não mais o ver, ouvir ou dele ter notícias. Era somente egoísmo justificado por um sentimento indescritível, próximo da angústia.

Assim ela o fez: afastou-se ao mesmo tempo em que se deixou afastar. Friamente, como alguns pensariam. Deveria ficar satisfeita por conseguir controlar suas fraquezas e não acabar voltando atrás em atitudes tão pouco ponderadas, mas ao contrário disso, só lhe restava uma insegurança questionando se um maior empenho por parte dela não teria dado rumo melhor para tudo aquilo. Ela não saberia e a torturava desconhecer o verdadeiro culpado pelo fracasso daquela miserável relação.

Temia ser ré naquele tribunal em que se acusava omissão, pois já não era ré primária e a sentença dessa vez não perdoaria. Apesar de estar incerta da sua inocência, o que mais a preocupava eram os outros crimes que culminaram neste último e como ela havia se tornado capaz de cometê-lo. Como logo ela poderia se sentir tão inferior para não ter coragem de protestar com fúria contra este descaso que a atormentava? Logo ela sempre determinada e tão capacitada para se orientar por seus desejos, agora só desprezava a forca, a cadeira elétrica e a injeção letal porque o objetivo era apenas se desvencilhar do submundo em sua cabeça. Preferia a decapitação.

Ela perdia a calma e se desfigurava do chamado padrão moral. Adentrava na insanidade com a convicção e o orgulho de quem mantinha o pleno controle dessa loucura, ainda que permanecesse com o telefone em mãos.

Doente


Me larga, me solta, não encosta em mim. Se um dia você teve esse direito o jogou no lixo junto de todas as palavras de amor que desperdicei com você. Tira suas mãos da minha cintura, seus lábios do meu pescoço, não toque em mim. Te odeio hoje, como daquela primeira vez em que você não me ouviu. Ultrapassou os limites, me guiou erradamente, me errou.

Maldito beijo, dado quase roubado. Minha sina começou, minha tragédia pessoal, amparada por pecados e traições. Não era pra ser, tantos desconfortos, mentiras e dores. Nós sabíamos que não era pra ser, eu sabia. Te odiaria por não ter feito aquilo, te odeio por ter me desrespeitado e continuado aquilo que te pedi e implorei nos meus olhos. E a cada toque me perdia, não era mais eu, minhas convicções me deixavam, fingia ser alguém, naqueles segundos, feliz.

Ferindo outros, maltratando meus sentimentos, desrespeito. Era tortuoso e, ainda assim, amor. Da forma mais suja, mal-acabada. Era amor. E nós não percebíamos, ríamos cinicamente, debochávamos das emoções. Todas elas ali, sendo vividas e amadas e beijadas. Respiradas, sentidas. Mordidas, devia machucar, era amor.


Me larga, me deixa, eu te amo. Me pega, me beija, não me larga. Nunca. Nem por um minuto, nunca. Se finjo não vivê-lo a dor some, mas o desespero toma o lugar. Agonia, aflição, não me deixa. Me abraça mais forte, me beija mais forte, fica aqui comigo. E não me larga nunca. Morre comigo, morre por mim. Me mata, mas não me larga. E me beija, de novo, cala minha boca.

domingo, 23 de setembro de 2007

The day the world went away

Tudo derrete. A sala afunda comigo na cova que se forma a minha volta. Você já teve um orgasmo? Imagine mil deles... Sólidos e adocicados. Não sei se me deito ou se caio. Sei que tudo afunda comigo, e entro em coma sorrindo.

“Afundaremos juntos de mãos dadas
buraco negro no chão
beije-me e goze em minhas veias atadas
veneno contido no coração
cuspa suas dores e traumas
eu me entrego a ti
sugadora de almas”


Jenny Junkie poderia ter sido uma garota qualquer. Poderia ter sido Jennifer, uma garota classe média, como outra qualquer. Eu sempre fui um caso perdido. Ela me deu a mão para me tirar do buraco, mas eu não pedi pra sair. Agora sou eu quem a seguro pra não deixá-la cair. Cair para não mais levantar.

Jenny não tinha muitos amigos, mas tinha uma carreira maravilhosa. E foi aí que nos conhecemos. Ela dividiu a carreira comigo e cheiramos juntos. Foi aí que nos entregamos. Ela começou com maconha, como todos começam, e agora eu mesmo preparava sua seringa. A qual dividíamos como dividíamos a saliva, o suor, o sangue. Ela só queria ficar ao meu lado. “Eu quero tentar do seu jeito dessa vez”. E nos amávamos e desejávamos pra sempre. O dia e a noite não existiam. Dormíamos na hora do sono, comíamos na hora da fome. Mas quase não tínhamos fome, quase não dormíamos. Nossa dieta era a base de LSD, maconha, heroína, valium, vicodin, o que fosse, o que nos tirasse daqui, o que nos fizesse voar. E lá do alto via minha salvação. Minha paixão. Jenny.

“jennifer is something
you handle with care
its fragile, its cristal, its glass
jennifer lips always soft as the air
kissing her hear of cries

im lost in a maze
counting the way that she smiles
time is slipping away
lost in the arms of her love
so generally white”


Quantas doses de sal ela me deu na veia pra me salvar da overdose de mim mesmo? Da overdose da vida que eu não suportava mais. Mas ela vinha e me salvava. Ahhh, minha doce Jenny. Tudo aconteceu muito rápido e gostamos disso. Nós queríamos dividir tudo. Invadimos a vida um do outro e nos prometíamos pra sempre. Eu fazia tudo por ela, e era destemido. Jenny vivia de barras de chocolate e luz do sol. Eu fazia pequenos roubos e furtos. Às vezes pedíamos dinheiro aos pais dela. Milhares de pássaros, pequeninos, enfeitavam seus cabelos disformes e belos ao mesmo tempo. Tudo era ouro. Estávamos no paraíso. Um dia Jennifer desapareceu.

Decidi parar. Como sempre decidia. Somos a escória da sociedade. Somos o medo de todos os pais. Estamos acabados. Ouço vozes e vejo monstros renegados do inferno. Elas falam comigo, eles me atacam. Jenny atende o telefone... Mas o telefone nem sequer tocou. E xinga por desligarem na cara dela. Ahhh, minha doce Jenny. Não nos suportávamos mais. Só não digo que estamos só o pó porque senão já teríamos nos cheirado. Mais nunca é o bastante.

Decidi parar. Como sempre decidia. Mas agora a tenho comigo. Ela só queria fugir da vida que tinha antes. Eu não estava tentando melhorar a vida de Jenny, eu estava tentando melhorar a minha. Quando se pode parar, você não quer. Quando quer, não pode. “Você não se envergonha, Jenny, de meu desespero desnudo?”

Febre. Febre, choro e dor. Éramos zumbis. Deitar irritava e ficar em pé doía. Mas a tinha comigo. “Dividíamos a saliva, o suor, o sangue”. Quase nunca fazíamos amor. A seringa era meu pau, a heroína seu orgasmo. Ela insistia “Só mais uma”. Eu já estive lá. E estou aqui, então... Não. Nos mantínhamos trancados e nada nos tiraria dali. Não havia telefone ou ninguém pra pedir socorro. Não havia ninguém por nós. Jenny se distraia tremendo no meio das cobertas, embaixo do chuveiro, chorando em desespero. Eu cortava a ansiedade espalhando cicatrizes, causando mais dor. E dividíamos o sangue. As lágrimas. Estávamos no inferno, no mundo real.

Só me sobrou esse diário (e as alucinações, os medos, as confusões...). A solidão me faz companhia. Acordei e ela simplesmente havia sumido. “Só mais uma. A última”. Tivemos várias últimas. Mas nesta, em especial, Jenny não estava comigo. Nessa última ela estava sozinha, e sozinha ela preferiu morrer. Essa “última” veio especial. Os remédios agora eram outros. AIDS. Eu nunca mais a vi.

Só me sobrou esse diário. Acordei e ela simplesmente havia sumido. O quarto era forrado e vazio. Minha letra tão bonita, agora tão medrosa. O lápis me cortava. O lápis podia me matar. Eu só podia escrever quando me vigiavam. Os remédios agora eram outros. E a solidão me fazia companhia. Cheguei a pensar que Jenny foi só um sonho, uma viagem quente e boa. O pouco que sobrou foi sua letra aflita num papel amassado: “I'd listen to the words he'd say. But in his voice i heard decay. The plastic face forced to portray. All the insides left cold and gray. There is a place that still remains. It eats the fear it eats the pain. The sweetest price he'll have to pay. The day the whole world went away”.

Yuri Kiddo