Naquele dia ele não ligou. Convenhamos que a expectativa era quase nula já que nunca falavam nada demais; contudo, aquela dose diária de superficialidade já tinha se tornado um hábito necessário sem que ela percebesse. O estranhamento dessa ausência não foi suficiente para que se preocupasse e, assim, tomasse uma atitude evitando o que aconteceria em seguida: aquele dia foi só o primeiro da revolução dos costumes que nunca a agradaram, mas cuja mudança também não iria a favor de seus anseios.
Supondo que no dia seguinte haveria uma explicação, não deu importância e por muitas outras vezes agiu com a mesma tranqüilidade. A calma sempre aparenta uma imensa paz de espírito nos outros, de maneira até estúpida uma vez que a paciência para lidar com um problema não necessariamente significa que eles não existam ou incomodem. Parece indiferença, ignorância, covardia e até demência, mas quem cogitaria que a calma pode ser simplesmente um orgulho que se impõe a qualquer afetuosidade?
O senso comum apontaria outras respostas mais óbvias e a passividade seria a conclusão precoce à qual a maioria chegaria caso conhecesse tal pessoa, que parece estar sempre jogada ao acaso, sem força de vontade para atingir algum objetivo. O fato é que às vezes parece existir um impedimento social para se levar a sério algumas vontades. Os valores que a cercavam bradavam “imoralidade” em seus ouvidos a cada vez que pensava ser melhor não mais o ver, ouvir ou dele ter notícias. Era somente egoísmo justificado por um sentimento indescritível, próximo da angústia.
Assim ela o fez: afastou-se ao mesmo tempo em que se deixou afastar. Friamente, como alguns pensariam. Deveria ficar satisfeita por conseguir controlar suas fraquezas e não acabar voltando atrás em atitudes tão pouco ponderadas, mas ao contrário disso, só lhe restava uma insegurança questionando se um maior empenho por parte dela não teria dado rumo melhor para tudo aquilo. Ela não saberia e a torturava desconhecer o verdadeiro culpado pelo fracasso daquela miserável relação.
Temia ser ré naquele tribunal em que se acusava omissão, pois já não era ré primária e a sentença dessa vez não perdoaria. Apesar de estar incerta da sua inocência, o que mais a preocupava eram os outros crimes que culminaram neste último e como ela havia se tornado capaz de cometê-lo. Como logo ela poderia se sentir tão inferior para não ter coragem de protestar com fúria contra este descaso que a atormentava? Logo ela sempre determinada e tão capacitada para se orientar por seus desejos, agora só desprezava a forca, a cadeira elétrica e a injeção letal porque o objetivo era apenas se desvencilhar do submundo em sua cabeça. Preferia a decapitação.
Ela perdia a calma e se desfigurava do chamado padrão moral. Adentrava na insanidade com a convicção e o orgulho de quem mantinha o pleno controle dessa loucura, ainda que permanecesse com o telefone em mãos.
segunda-feira, 24 de setembro de 2007
Julgamento de um orgulho afoito
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3 comentários:
Nossa....quantas emoções reunidas.
Orgulho, medo, insegurança...
E quem nunca enlouqueceu com convicção né?As vezes é melhor do que voltar atrás...
Muito bom Nana.
eu tô começando a entender seus textos. isso é legal :)
e adorei esse. adorei!
você é a mais peculiar pra mim. teu texto tá parecendo um quadrinho do mutarelli. Só que ele seria (bem) depressivo
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