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segunda-feira, 25 de fevereiro de 2008

Mais uma edição. Fechada e completa como era no começo.
Tudo volta a ser como no começo.

A cada quinze dias, aos domingos, com todos escrevendo.

Simples e nunca igual. O de sempre. A casa é nossa mas a sua visita é bem-vinda.

Abrigos ocultos

Eu perco o folego rápido agora. Eu perco o fôlego por dois degraus, em toda a distância mínima dos seus avisos. Toda aquela distância que existe entre suas palavras e a minha consciência torta. Quase não ando falando. Quase não ando mais andando e com os olhos tão atentos ou menos cansados que meses atrás. Tropeço em vírgulas e mal percebo os pontos, acabo tocando sua campainha e aperto os dedos na esperança de você terminar minhas frases desconexas com sua gramática perfeita.

É quase tudo sempre igual. Repete e gira, volta pro mesmo lugar quando o espaço responsável pela divisão da realidade e o nonsense se confunde no espaço ocupado pelos pensamentos que não mostram tanta força quanto antes. E o nó está feito. E acontece que é assim que acontece.

Não sei mais fazer logoff de todo o caos que circunda meus dias. E quando menos espero, o sono age com violência e os olhos só abrem quando a quarta-feira decide ser molhada. E pinga em minha testa uma amostra da sua ousadia. Desperto pra carregar todas as falas e as páginas inteiras de qualquer história alheia que consiga preencher minhas viagens. E só assim reconheço a dor nas costas, só assim acho um culpado pelo peso todo.

Então eu busco entre todos os olhares que pegam carona comigo, todas as partes que releio das tais folhas, frente e verso, todos os viés dos cantos e todos os clichês nos cliques. E não por ser fraco, mas por ter certeza, acabo me confortando no romantismo daqueles olhos, nos noites de insônsia daquelas mãos, na reflexão daquele sorriso e no abraço apertado daqueles lábios. Assim o tédio não me alcança, assim eu agüento mais quarteirões e me contento com as possíveis calamidades que estão por vir.

Assim, eu me recupero de todo o fôlego que eu esqueço, propositalmente, na sua casa, quando te beijo antes de sair. E os degraus se fazem menos.

6-5

Não havia destino traçado naquela noite. Chuvosa, se fazia inquieta e confortante ao mesmo tempo, por estarmos todos juntos. Cinco perdidos em seis caminhos diferentes. Uma noite de encontros e desencontros como aquela não acontece usualmente (mas há a possibilidade do acaso para nossa felicidade e salvação). A cada instante, um novo instante. Valorizou-se ao saber que estávamos juntos e que seus trovões furiosos não nos atingiriam. Apenas nós a nós mesmos.

Por vezes, encontrávamos sozinhos sendo questionados com uma curiosidade sádica pelo conhecimento do próximo, e nos perdíamos entre olhares, que assistiam a qualquer coisa que não respirasse (e julgasse) ali. É muito difícil encarar as verdades olhando em seus olhos. É muito difícil ser você mesmo.

Abertos a julgamentos e opiniões, fomos. Cada um em cada passo, em cada número. O lance de dados que definiria toda sua vida. Tudo ali, no momento em que pára. E todos paravam junto ao mestre. Foram momentos de reflexão e coragem. Às vezes é preciso dizer os pensamentos em voz alta pra que possamos nos ouvir com mais clareza. E as vezes o medo corava a superfície e nos engasgava, deixando desejar à curiosidade insaciável.

A berlinda de perguntas de interesses pessoais. Família, amigos, sexo, passado/futuro, pensamentos, e uma nova chance para um novo caminho - um luxo concedido pela falta de criatividade, diria, mas que ninguém realmente desejava. Um pouco mais de cada um guardado ali naquele dado. Cada face, um lado, e cada lado, uma chance.
Conhecer um pouco mais de quem se gosta, conhecer um pouco mais da gente mesmo.

domingo, 24 de fevereiro de 2008

Final inacabado

Ele a olhou, mas ela não respondeu ao seu olhar. Buscava seu toque e não encontrava, o amor tinha ido embora. Era isso.

Fechou os olhos e em sua escuridão tentou buscar um argumento que reatasse o que fora desamarrado, de ter tudo de volta.

Lembrou do dia que se conheceram e da síndrome de gagueira que tinha quando a encontrava e do meio sorriso dela quando estava brava, mas acima de tudo era o beijo que ele lembrava. Ele precisava daquele beijo.

Abriu os olhos e num impulso roubou lhe um, mas não sentiu em seus lábios aquele gosto tão peculiar, um misto de amêndoas, café e ela. Sabia o que estava acontecendo, mas não podia conceber a ausência do amor dela.

Sentia um tremor por todo o corpo, seus músculos estavam se retraindo como que tentando fazê-lo encolher, diminuto até não mais ser. As mãos suadas, como gotas de um suor lacrimoso. E o coração? O que pretendia insistindo daquela forma? Cada batida uma dor diferente, cada compasso uma outra sinfonia decrépita. Era ele, literalmente de corpo e alma, sofrendo a dor que nunca imaginou.

Sem saber mais o que fazer e como quem não quer aceitar o que o destino traçou, ele a pegou pelos ombros e com lágrimas nos olhos deixou seu desespero falar.

- Porque você está me deixando? Eu ainda te amo, não vê isso?

Não posso viver sem você, simplesmente não posso.

E eu me lembro daquele dia no metrô, você me prometeu que nunca me deixaria, nunca! Volta por favor...

Foi um dos monólogos mais triste que as pessoas em volta presenciaram, pois assim como as velas em torno dela, ele também se desfazia só que sem nenhuma chama e no final de nada valeu dizer que a amava, porque ele a olhava, mas ela não o via, falava com ela, mas não tinha respostas e mesmo ao seu lado já não a sentia.

As lágrimas dele caíram no rosto dela, que permanecia imóvel, com uma serenidade perturbadora. Sabia que era a ultima vez que a veria, a devolveu delicadamente sobre o que seria sua cama, dura e fria para sempre. Diferente daquela que dormiam antes, diferente daquilo que planejavam antes.

Antes de tudo, antes daquele dia, antes do amor ir embora.

a ficção dos detalhes

Errei. Por tudo aquilo que não consegui ser. Pelas coisas que não te fiz enxergar. Os olhares que neguei e os que dei cheio de vazio. Errei quando me neguei a coragem que sempre guardei com tanta força.

Nem sempre falar é fácil. Falar o que para mim significa escrever. Eu faço as coisas do jeito que sei fazer. Todas as particularidades e os detalhes nos quais me apego tanto. Com a voz as palavras fogem e eu não consigo pensar antes delas sairem. É nesses escorregões que tampo os olhos morta de vergonha de qualquer pessoa que sem querer quase passa a saber demais. Eu vou sempre andar por essas ruas, confusa, às vezes sozinha, para encontrar alguém ou pra fugir de mim.

Não importa. Sem planejar o meu fim. Sem lugar. Sem rumo. Sem amarras em país ou cidade nenhuma. Me perguntaram quando eu vou. Daquelas coisas que eu falo em fazer, você sabe. Sem querer eu me peguei pensando em você também. Além da sis e da mini me. O resto não precisa de mim. Nem você. Mas eu queria te fazer enxergar e sorrir. Aquelas coisas que tornam shows mais reais e a vida mais colorida. Sem entorpecimento. Sem problemas grandes demais. Sem qualquer coisa que vá te fazer doer. Porque não me interessaria assim. Eu quero a sua sinceridade como eles pedem a minha.

Quero acordar com você no celular e não com ele que me acordou hoje. O cara, o Chico Buarque, o show e a insistência dele. Em parte é culpa minha, eu não fechei aquela porta quando sai, mesmo que não vá voltar. E eu não sei insistir. Porque é destrutivo insistir sem fé nenhuma. Mesmo que a confusão não me deixe ver nada claro. Meus olhos estão fechados. Meus ouvidos seletivos. Minhas verdades endurecidas.

A sua presença enquanto eles cantavam o meu passado. A música que foi dele. Que eu ouvi por ele, falei pra ele, fiz ele gostar. Você pegou todas elas e as deixou tocando na minha cabeça hoje sete horas da manhã quando eu chegava em casa com aquela rosa em botão.

Dessa história o descarte, eu deixo para mais depois, as pessoas entenderam tanta coisa. Acharam. Acreditaram. Algumas vezes viram tudo aquilo como verdade. As mãos dos outros onde eu queria as minhas. Faz parte me perder no ar. Faz parte caminhar como a garota mais confusa e agitada do mundo. Procurar nos outros olhos os seus. Mesmo que nunca vá encontrar, é um daqueles detalhes que não sei explicar.


Nessa história quando colocarmos as cartas na mesa por delicadeza eu vou aceitar.

da prática da imaginação

Via-se perdida num abismo de idéias e possibilidades, sem saber qual seria seu próximo passo e se preferiria arriscar a frente ou consertar o atrás. Vagando na beira de um dos lados da consciência, não arriscava atravessar a ponte, o outro lado que esperasse, teria de desatar nós e remendar cordas antes do salto.

Começou o dia pensando em procurá-lo, desistiu. Não sabia de que modo tocaria a campainha e diria “oi, não sei viver sem você”. Mesmo dita em frente ao espelho do banheiro, a frase parecia um tanto quanto assustadora, e se a intenção era, de uma vez por todas, liberar seus sentimentos, que eles não viessem dessa maneira, como tigres famintos exigindo do domador o domador.

Sabia que se pensasse demais ignoraria o resultado do processo de revisão da sua vida. No momento, bastava seguir o rumo já traçado tantas vezes que a levava à sua porta, à campainha, a ele.

oi, desculpa, eu sei que não deveria ter vindo, que me avisou sobre o tempo e sua vontade de ter-lo, mas é que acho isso por demais egoísta e nunca tive ninguém que me freasse como você fazia quando eu cismava em colocar minha cara a tapa. você tem seu tempo e mesmo assim continua utilizando todo o meu, e enquanto eu passo meus dias tentando te dar seus minutos, acabo com minhas horas de paz. porque sem você eu não tenho paz. não, espera, não faz essa cara. não tenha dó de mim. brigue, grite, bata a porta na minha cara e diga que me odeia. não, não diga. mas é que eu achei que tinha representado alguma coisa, digo, na sua vida, não representado sentimentos, só um papel fundamental na história do nós dois. como? claro que houve, você sempre foi meu par de noites e danças, dos dias e confidências e sorrisos. e apesar dessa sua calma aparente, me faça entender que seu coração bate tão forte quanto o meu e que nesse exato momento sua cabeça se perde em minhas palavras enquanto procura respostas nos meu olhar. pois foi assim que você explicou seu amor, eu sei que nunca foi de gestos e palavras, mas todo aquele brilho no seus olhos fazia com que eu me sentisse especial e bastava o toque de suas mãos em minha cintura para que eu decifrasse seus desejos. enfim, continuo desejando suas mãos e seus toques, sem sua textura exata me perco em outras ciladas, e esqueço que da minha vida fodida só quero me lembrar de você e me perder em você e errar repetidas vezes com você. que não tenha sido em vão o tempo passado e as atuais palavras desperdiçadas, me abraça e nos teus braços me acho. teu coração bate, olha nos meus olhos: você sempre me teve tem terá, me queira de volta.

As frases foram decoradas e as situações analisadas do modo mais pessimista possível. Retocou o batom em frente ao espelho, buscou as chaves do carro e saiu de casa. Estava chovendo, mas nada a impediria de recitar o monólogo ensaiado.

Mercadorias em curso

Debaixo do sol escaldante e submetendo suas narinas ao ar seco e poluído que castigava a infinita estrada, um rapazinho de no máximo 10 anos convidava todos nas calçadas a entrarem na Kombi que seu pai dirigia com destino à rodoviária mais próxima, aproximadamente 17 km dali.

Apesar da simpatia do menino, o que levava as dúzias de pessoas a disputarem os assentos do veículo era, na verdade, a impossibilidade de chegar ao destino nas próximas horas por outro meio que fosse mais confortável ou menos arriscado.


A Kombi que saía da fronteira com o Equador, embora não cheia de passageiros ainda, chegava abarrotada de mercadorias que ocupavam boa parte do espaço interno. Além dessas, muitas outras vinham como bagagem de quem entrava posteriormente. Via-se bugiganga de todo o tipo, desde pequenos artesanatos para venda no centro de alguma cidade até grandes baldes, provavelmente para uso doméstico e pessoal. Em razão da fiscalização insuficiente, é uma maneira bem comum de transportar mercadoria contrabandeada (de qualquer gênero) pelo país.

O garoto de traços indígenas, cabelo preto e liso, pele escura e olhos muito marcantes viajava com a cabeça para fora da janela do carro, talvez tentando escapar do calor que fazia ali dentro, contemplando a paisagem e as crianças da sua idade que brincavam lá fora e, por vezes, convidando mais pedestres e andarilhos a entrarem. Não havia espaço para um perro raquítico que fosse, mas o pai do garoto insistia que caberia, sim, sem problemas e sorria para cada um que se arriscava a entrar e apertar ainda mais os peruanos já irritados.

Eles não padeciam em silêncio e acabavam reclamando para o responsável mais próximo: o menino. Sem ter o que fazer e sem chances de contrariar a ordem paterna, ele só improvisava novos bancos em meio à bagunça que tomava o lugar das pessoas e ouvia o misto de críticas e insultos bem distante dali, com sua cabeça sonhadora para fora.