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segunda-feira, 21 de abril de 2008



Dizem que depois do 20, os números passam mais rápido. Chegamos a edição 21!
Em dez meses. Dez, já.

Nessa edição, temos textos
Amigos
Que brilham na luz negra
Dançam macarena e
São interativos

E, para quem não percebeu: os comentários estão juntos aqui no editorial. Se você quiser falar com fulano, fique a vontade; se quiser separar seu destinatário com uma vírgula, [ciclano,] a equipe agradece. Mas, se você não quiser nada disso, pode comentar mesmo assim que os serviços de adivinhação no gelo aparecem.
Boa Virada Cultural pra quem tem a sorte de morar nessa cidade.
Para quem vem de outras: bem-vindos!

Todos os membros do zine estarão espalhados pelo centro e seus arredores.
Boa sorte pra nós.
=]

Vazio sem espaço


O vazio vem preencher a cabeça e encontra sofás, livros e uma televisão. Ele se acomoda, se ocupa e me incomoda. Vem aqui só para fazer uma visita, mas acaba ficando por um período ilimitado demais para alguém que zela pela privacidade.

Como anfitriã, tenho muito espaço e tempo para mimar o desgraçado. Claro, ele gosta e eu quase me acostumo, não fosse o tempo que me falta só para ter mais tempo. Vamos dividindo cada aposento e eu não tenho receio de demonstrar todo o meu ódio e desprazer - nem tão mútuos nesse caso por serem absolutamente meus. Aquele parasita.

Se conseguisse achar esse vazio, eu o rebentaria até não sobrar mais nada, até ele deixar de existir e ser mais vazio. Trata-se da perda do meu recinto tão particular e, a cada vez que eu repito isso, a fúria dele aumenta e me ataca.

Agora a guerra é declarada. Eu sei quando ele está chegando e já me preparo para evitar a aproximação derradeira. Aquela determinante que acaba com as chances de contra-ataque. ‘Pode vir agora’, disse da última vez. Apesar da coragem que teve de me enfrentar, eu saí sem o vazio. Livre dele.

Tenho ciência de que ainda não acabou porque posso perceber quando ele chega perto. Ouço o silêncio de longe e sinto cada movimento da sua inércia. Calhorda. Agora não. De onde está talvez saiba que não é hora; muito do espaço e daquela calmaria que tanto aprecia já não estão por aqui. Sentaram no seu sofá e tiraram o marca páginas daquele livro que você começou a ler. Seu perdedor.

É nessa hora que você não pode mais voltar.


Born to be alone

Já no ventre ele causou dor, chutava e insistia em quebrar aquilo que era sua casa. Parecia confiante em ser destrutivo por natureza e quando nasceu deixou sua mãe morta na maca daquele hospital.

O primeiro choro não foi de lamento como da maioria, foi um choro irritado, de raiva como de quem não quisesse estar ali. Não houve presentes e nem demonstração de carinho, somente a responsabilidade indesejada dos avós maternos.

Tornou-se criança sabendo da verdade. Para nascer tivera que matar a filha daqueles que o alimentava e muitas vezes achava justo não ser querido por eles, mas nem sempre compreendia, não se sentia um assassino.

Em um dos tantos dias intermináveis, voltando da escola, encontrou uma cadela prenha e a levou para casa. Seus avós não aprovaram muito a idéia porque ela parecia velha e doente, mas acabaram cedendo e a cadela ficou por lá.

O garoto cuidou dela até o nascimento da prole. Era uma cachorra pequena e dela nasceram quatro filhotinhos, mas um estava morto. Ele observou todo o parto e como todos eram cuidados e amamentados. Pensou que poderia ter nascido cachorro, talvez fosse mais feliz.

Após três dias a cadela estava mal. Ficava uivando baixinho e se contorcia toda. A cria estava afastada no canto da caixa de papelão. O menino chamou os avós numa tentativa desesperada de fazer algo, mas eles foram decisivos em dizer que ela estava velha e que morreria logo.

Ele não esperou. Ele a matou com uma pedrada e cessou aquela dor sem cura. Os filhotes o olhavam e ele temeu mais uma vez ser rejeitado e tratado como assassino. No dia seguinte não houve julgamento. Ele alimentou os filhotes com leite, os acariciou e acabou dormindo com eles no chão, com a cabeça na caixa de papelão.

A máxima igualdade que ele iria conseguir ali. Juntos. Os quatro. Órfãos.

Sketch

Eu não preciso escolher um lado, tanto faz o que transpassa, já passou. Já misturou. O espelho me reflete ao contrário e ri de mim sempre feliz. Duplica minha dor e meus desejos. Vai embora sem avisar e volta me assustando com um rosto que desconheço. Foi o que me sobrou. O negativo do meu próprio reflexo.

Invenções de um mundo de ilusão. Finjo amor, finjo piadas. Finjo estar tudo bem com uma máscara estampada. Eu queria deitar, olhar tudo como se tudo fosse estar ali quando eu despertar. Ali, bem do jeito que eu deixei. Mas a alquimia natural do mundo não torna isso possível. Quando eu acordar desse pesadelo, tudo vai ser mais bonito.

Para os que ficarem para trás, não me sigam, cada um tem o seu caminho e seus motivos. Para quem chorar, seque-se em minhas poesias, molhe minha dor enquanto enxugo a sua. Uns rabiscos pra dizer que meu amor está cada vez mais perto. E eu amo cada vez mais, porque é a única certeza. Amar é sempre destrutível, mas nem sempre ter razão é bom.



"My love can go where you don't know
and I love to grow, where you don't know
I know I'll always be like this
Until I can find a cure
If my love is my disease,
I will love you more and more"
- Sketch (Yoñlu)

domingo, 20 de abril de 2008

elev-a-dor

Ela chegou apressada no corredor, apertava o botão do elevador com muito mais força do que o habitual, olhando para porta dele. Esperando que ele saísse e viesse em direção a ela, e a envolvesse pela cintura, a tirasse da frente daquele elevador e em silêncio recomeçassem a discussão que a fazia esmurrar o botão com tanta força.

Então ela olhava a porta, imaginava ele, sentado na cadeira vermelha, com o rosto entre as mãos, pensando em todas as possibilidades que ela acabou quando fechou a porta. E ela ali parada, como se a porta batida fosse uma vírgula e na próxima frase ele apareceria. Ele não apareceu e o elevador finalmente chegou.

Os dias seguintes foram de incerteza. Algumas ligações bêbadas dela, outras não atendidas dele. Eles se falaram quando ela quis e ela só queria pelo impulso de retomar as coisas. Só que o impulso ia embora com o fim do álcool. Era como se o medo de continuar fosse tão grande e aquilo ficasse tão colorido de repente. Era tanto o medo, e as palavras dela eram separação, sempre separação.

Já tinha se passado quase um mês. Ela tinha encontrado amor ou resquícios disso em outro corpo. Ele tirava dela os pensamentos daquele outro, então, o medo tinha sido trocado pela ausência de sentimentos. Mesmo quando os lábios se encontravam, as pernas se entrelaçavam, os sorrisos de cumplicidade apareciam; a cabeça dela voltava naquele dia em que apertou o botão do elevador com força demais.

Dois meses depois, ela reencontrou nele, a coragem para vencer o medo inicial. Foi quando desistiu de levar aquela relação que tirava lembranças e acabava com o presente enquanto a embebedava de uma vida falsa. Ela desistiu das facilidades e voltou até aquele prédio, apertou o botão devagar, abriu a porta com a chave que ainda tinha e o encontrou ali, segurando a cabeça com as mãos e um livro entre as pernas. Ela o olhou, entre lágrimas e sorrisos, falou:

- Voltei para onde nunca deveria ter saído. As suas mãos tiravam do mundo, o peso. O seu sorriso devolvia a vida, esperança. O seu olhar mostrava que inocência ainda existia. Tudo, tudo, tudo. E eu perdi tudo porque era medrosa demais, idiota demais, queria demais experimentar tranquilidade. Mas a paz só existe no seu turbilhão.

Ele a olhou e disse:

- E o tempo todo eu sempre soube: é você, só você.

Don't leave the light on

Era naqueles dias estranhos que ele se refugiava na sensação que teve aquela vez. Era naqueles dias, que ela voltava a reinar os pensamentos mais simples, singelos e capazes de qualquer atitude regida pela emoção. Mas a razão também estava ali.

Ele se lembrava daquela vez. Tudo tão incerto, tudo tão certeiro. Os dois no carro, a música que ela intitulou deles. A música que ele tinha aceitado como um dos vários presentes que você ela lhe deu naquele fim de semana. Mas sabia que ela tinha feito muito mais. Tanto que nem imaginaria, nem saberia calcular ali, nem saberia durante tanto tempo. Tanto que nem sabe se hoje sabe plenamente.
Falava da intensidade. Foi tudo um começo, um fio que a incerteza plantou e depois juntou com tantos outros até que tudo parecece correto. Havia aparecido de surpresa, ouvido sua voz de um telefone público no centro da pracinha da cidade. Ouviu sua voz pela primeira vez. Sentiu o corpo trêmulo, a barriga cheia de "borboletas". E decorou cada pontuação das frases pra quando chegar na hora, mudar os planos e o cronograma.

Depois, foram tantas as voltas, tantas as canções, as conversas, o pouco espaço no carro pra expor a felicidade. Talvez ele nunca tenha falado a ela sobre os detalhes. Talvez não, mesmo depois de todo o tempo. Talvez. Ela então poderia nem saber do quanto sorria tão mais largo quando pôde ficar sozinho no hotel pra pensar em tudo. E também não soubesse dos carros que assistiu pela janela, do clima da cidade, do coração pulsando tão mais forte, tão mais novo. Era tudo novo, era o começo de algo que lhe dava a chance de viver um novo começo.

E, no fim, era tudo ela. Era o gosto dela ainda na boca, a cidade ao alcance dos dois e os hermanos no rádio. Os cabelos entre os dedos, o devedê já sem importância, porque o filme era tão menos interessante que seu olhar. Era o comentário sincero de como ela tinha um beijo bom e o dela dizendo que podia ouvir o pulsar do seu coração. E ele vibrava com toda aquela situação. Ele tentava se controlar, mas era impossível. Talvez nem desse mesmo pra disfarçar. Talvez, de novo, depois nem estivesse preocupado em disfarçar.

Então, voltava para a cena do carro. Todos os momentos, todas as mudanças em questão de poucas horas. a despedida que acarretaria em algo melhor. O caminho de casa tão mais leve, com o vento trazendo o novo e levando o gasto. E aquela sensação em que sempre se refugiava. Os cabelos, a estrada, as mensagens e a boca dormente. Com o gosto. Dela. Anunciando um sorriso. Fofoqueiro. Exibindo pra quem quisesse ver. Que tudo mudou. Pra melhor. Para as certezas.

Por eles dois. E a música.

errata

Enquanto omito a verdade inerente à realidade e me faço de boba, iludindo os pensamentos quanto ao voltar do bom passado, crio frágeis expectativas prestes a ruir sobre meu viver.

E desse modo saudosista vou vivendo e encarando os fatos que insisto em mascarar com imaginação.

Me perco na ficção, esqueço os detalhes e faço do geral meu domínio. Aprendo a ocultar as diferenças e vejo em todos ao meu redor as marcas e qualidades que faltam em mim.

Não sou escrava do perfeccionismo, mas nego os defeitos, teus e meus, e busco o ideal. Finjo não acreditar nos vícios e erros, crio estereótipos em minha mente e te encaixo como em um quebra-cabeça que nunca se completa. Você se transforma em uma peça na história infinita do meu jogo, não é rei nem peão, só o pedaço de imagem que me remete às recordações de momentos compartilhados.

Assim construo meu passado, e entristeço o futuro ao pensar que nada passa de uma fase em que ganhar nem sempre será minha escolha. O livre arbítrio me faz perder, te perder, pois a liberdade me guia erroneamente. Não acredito nas minhas escolhas e me direciono pelo caminho errado, enganando a superficial felicidade.

Te busco, me guie.