Já no ventre ele causou dor, chutava e insistia em quebrar aquilo que era sua casa. Parecia confiante em ser destrutivo por natureza e quando nasceu deixou sua mãe morta na maca daquele hospital.
O primeiro choro não foi de lamento como da maioria, foi um choro irritado, de raiva como de quem não quisesse estar ali. Não houve presentes e nem demonstração de carinho, somente a responsabilidade indesejada dos avós maternos.
Tornou-se criança sabendo da verdade. Para nascer tivera que matar a filha daqueles que o alimentava e muitas vezes achava justo não ser querido por eles, mas nem sempre compreendia, não se sentia um assassino.
Em um dos tantos dias intermináveis, voltando da escola, encontrou uma cadela prenha e a levou para casa. Seus avós não aprovaram muito a idéia porque ela parecia velha e doente, mas acabaram cedendo e a cadela ficou por lá.
O garoto cuidou dela até o nascimento da prole. Era uma cachorra pequena e dela nasceram quatro filhotinhos, mas um estava morto. Ele observou todo o parto e como todos eram cuidados e amamentados. Pensou que poderia ter nascido cachorro, talvez fosse mais feliz.
Após três dias a cadela estava mal. Ficava uivando baixinho e se contorcia toda. A cria estava afastada no canto da caixa de papelão. O menino chamou os avós numa tentativa desesperada de fazer algo, mas eles foram decisivos em dizer que ela estava velha e que morreria logo.
Ele não esperou. Ele a matou com uma pedrada e cessou aquela dor sem cura. Os filhotes o olhavam e ele temeu mais uma vez ser rejeitado e tratado como assassino. No dia seguinte não houve julgamento. Ele alimentou os filhotes com leite, os acariciou e acabou dormindo com eles no chão, com a cabeça na caixa de papelão.
A máxima igualdade que ele iria conseguir ali. Juntos. Os quatro. Órfãos.