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domingo, 13 de julho de 2008

Fortaleza


A infância permitia alguns luxos de que hoje a minha geração já está privada. Limpar a boca na toalha da mesa é só o começo. Se na época todos riam de algumas atitudes por serem tão bonitinhas, hoje o motivo da graça é manter tamanha ingenuidade.

Os monstros ainda podem estar no armário ou embaixo da cama, porque ninguém os tirou de lá. Certas obviedades da chamada maturidade só entraram para um consenso por terem se tornado habituais, mas na verdade pessoa alguma tem certeza sobre elas.

Almoçar sorvete em lugar da refeição, ter um trabalho divertido e fazer cabaninha de cobertor para assistir desenhos podem ser opções saudáveis para quem costuma levar tudo sempre à risca. E então, pensar que quando as coisas caminham pela avenida principal é motivo para insegurança não parece absurdo.

Se o pesadelo desta vez tem forma menos peluda e mais mundana é plausível que ele se refira ao medo de ser engolido pelo terrível Corriqueiro. Homem do saco pode ser balela, mas do novo perigo que vejo circundar por aqui nenhuma criança é receosa. Nem precisaria ser. Talvez sejam raros os ingênuos que ainda temem o perigo iminente da rotina que não conheceram.

Chega certa idade em que é preciso mostrar segurança e acatar as mudanças que vêm para deixar tudo sempre muito igual. Achar que pode ser diferente só desqualifica por expor a inexperiência. Ainda que esteja convicto do que reclama, a insatisfação é uma clara evidência de desajuste pessoal.


When you think the night has seen your mind
That inside you're twisted and unkind
Let me stand to show that you are blind
Please put down your hands
'Cause I see you


(I'll be your mirror - Velvet Underground)
*imagem: Ana Caselatto

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