Estava sentada, na verdade quase largada, no banco do ônibus voltando para casa depois de trabalhar.
Ouvia no meu Mp3 player a música Clandestino do Manu Chao e no momento em que terminei de cantar mentalmente “Solo voy com mi pena / Sola va mi condena / Correr es mi destino para burlar la ley”, notei um homem no meio do corredor.
Imagine um homem com corpo e rosto embrutecido, olhos profundos de quem viu o que não queria, jeito de quem fez o que é condenado por muitos, usava roupas largas, um casaco que poderia guardar mais que o necessário, calça velha e nos pés um par de chinelos com a bandeira do Brasil. Sua imagem assustava, garanto que teria medo se o encontrasse sozinha em outra situação.
Parado no corredor, já havia chamado a atenção de todos no ônibus antes mesmo de dizer qualquer palavra e disse:
-Bom dia pessoal.
-Eu não queria atrapalhar a viagem de vocês, mas será preciso – e fez uma pausa e eu juro, quase escutei os pensamentos dos demais passageiros gritando por socorro, ele continuou:
-Eu sou açougueiro, desossador e ex-presidiario – e fez mais uma pausa sombria, colocando as mãos no bolso do casaco e parecia procurar algo. Eu nessa altura, já imaginava ele com um cutelo e um assassinato em massa com sangue jorrando, enfim um acontecimento digno dos filmes do Tarantino.
Ao contrário do cutelo ele tirou balinhas, especificamente jujubas dos bolsos e eu respirei aliviada, pensando que minhas únicas preocupações seriam cáries e calorias indesejadas, mas nem isso se deu porque eu não tinha dinheiro,nem um vale transporte sobrando para comprar essas preocupações.
Ele fez o discurso já conhecido por muitos, mas a diferença era sua voz grave e uma entonação imperativa enquanto buscava um olhar que confrontasse o seu, mas não encontrou.
Não pude deixar de notar a imensa quantidade de pessoas que compraram as balas daquele homem e fiquei muito curiosa com essa boa vontade que ele causou naqueles passageiros que avidamente consumiram tantas jujubas para ajudá-lo.
E uma dúvida pairou no ar e ainda está sobre minha cabeça. O ato de ajudar aquele homem se deu pelo medo que ele causou nas pessoas? Compraram suas balas, para que ele fosse embora e levasse consigo a imagem de uma sociedade decadente?Pagaram para não ter que lidar com um problema ou foi pura boa vontade?Qual foi o motivo?Ainda não sei.
Eu não o vi mais no meu trajeto, mas gostaria muito, ainda que para rever a atitude das pessoas e talvez entender o ocorrido.
Tudo isso porque foi a primeira vez que vi um açougueiro, desossador e ex-presidiario causar tamanha comoção nas pessoas.
E segue Manu Chao tocando no Mp3: “Tu no tienes la culpa mi amor que el mundo sea tan feo / Tu no tienes la culpa mi amor de tanto tiroteo... en este mundo hay mucha confusion suenan los tambores de la rebelion...”.
7 comentários:
AHHHHHH Mas vc tinha que postar! Tá até no MS!! Adoro esse texto!
Te amo!
Beijos1
Toad
Hey, eu já comentei este texto!
Poxa Milla, cadê a rotatividade literária? Quero comentar em outros...
Mas enfim... as pessoas deviam respeitar mais o cutelo.
Excelente arma de combate corpo a corpo e a média distância.
Ainda mais quando empunhado por um ex-presidiário.
Além do que, jujubas são jóia!
hey ogami, obigada por me esclarecer o qu é um cutelo.
òtimo texto Milla. É daqueles que a gente monta a histórinha na cabeça.
bjos
vi toda a cena como se estivesse do seu lado dividindo o fone! e manu chao é FODA!!! tomara q ele venha pra cá no ano q vem. ^^
Sempre gosto dos seus textos, Milla! Já tinha lido o texto no seu outro blog.=]
Espero que a enxaqueca tenha passado.
bjos!
nossa... nunca vi um açougueiro, desossador e ex-presidiaro vendendo jujubas no ônibus.
:P
Talvez tenham comprado mecanicamente, sem ao menos reparar que era pena que sentiam de um homem tão imponente carregando jujubas...
adoro seus textos.
São tão reais!
=***
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