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quinta-feira, 23 de agosto de 2007

Jujubas, cutelo e um ônibus

Estava sentada, na verdade quase largada, no banco do ônibus voltando para casa depois de trabalhar.

Ouvia no meu Mp3 player a música Clandestino do Manu Chao e no momento em que terminei de cantar mentalmente “Solo voy com mi pena / Sola va mi condena / Correr es mi destino para burlar la ley”, notei um homem no meio do corredor.

Imagine um homem com corpo e rosto embrutecido, olhos profundos de quem viu o que não queria, jeito de quem fez o que é condenado por muitos, usava roupas largas, um casaco que poderia guardar mais que o necessário, calça velha e nos pés um par de chinelos com a bandeira do Brasil. Sua imagem assustava, garanto que teria medo se o encontrasse sozinha em outra situação.

Parado no corredor, já havia chamado a atenção de todos no ônibus antes mesmo de dizer qualquer palavra e disse:

-Bom dia pessoal.

-Eu não queria atrapalhar a viagem de vocês, mas será preciso – e fez uma pausa e eu juro, quase escutei os pensamentos dos demais passageiros gritando por socorro, ele continuou:

-Eu sou açougueiro, desossador e ex-presidiario – e fez mais uma pausa sombria, colocando as mãos no bolso do casaco e parecia procurar algo. Eu nessa altura, já imaginava ele com um cutelo e um assassinato em massa com sangue jorrando, enfim um acontecimento digno dos filmes do Tarantino.

Ao contrário do cutelo ele tirou balinhas, especificamente jujubas dos bolsos e eu respirei aliviada, pensando que minhas únicas preocupações seriam cáries e calorias indesejadas, mas nem isso se deu porque eu não tinha dinheiro,nem um vale transporte sobrando para comprar essas preocupações.

Ele fez o discurso já conhecido por muitos, mas a diferença era sua voz grave e uma entonação imperativa enquanto buscava um olhar que confrontasse o seu, mas não encontrou.

Não pude deixar de notar a imensa quantidade de pessoas que compraram as balas daquele homem e fiquei muito curiosa com essa boa vontade que ele causou naqueles passageiros que avidamente consumiram tantas jujubas para ajudá-lo.

E uma dúvida pairou no ar e ainda está sobre minha cabeça. O ato de ajudar aquele homem se deu pelo medo que ele causou nas pessoas? Compraram suas balas, para que ele fosse embora e levasse consigo a imagem de uma sociedade decadente?Pagaram para não ter que lidar com um problema ou foi pura boa vontade?Qual foi o motivo?Ainda não sei.

Eu não o vi mais no meu trajeto, mas gostaria muito, ainda que para rever a atitude das pessoas e talvez entender o ocorrido.

Tudo isso porque foi a primeira vez que vi um açougueiro, desossador e ex-presidiario causar tamanha comoção nas pessoas.

E segue Manu Chao tocando no Mp3: “Tu no tienes la culpa mi amor que el mundo sea tan feo / Tu no tienes la culpa mi amor de tanto tiroteo... en este mundo hay mucha confusion suenan los tambores de la rebelion...”.

7 comentários:

Toad - Matheus H. disse...

AHHHHHH Mas vc tinha que postar! Tá até no MS!! Adoro esse texto!
Te amo!
Beijos1
Toad

Ogami disse...

Hey, eu já comentei este texto!
Poxa Milla, cadê a rotatividade literária? Quero comentar em outros...
Mas enfim... as pessoas deviam respeitar mais o cutelo.
Excelente arma de combate corpo a corpo e a média distância.
Ainda mais quando empunhado por um ex-presidiário.
Além do que, jujubas são jóia!

Anônimo disse...

hey ogami, obigada por me esclarecer o qu é um cutelo.

òtimo texto Milla. É daqueles que a gente monta a histórinha na cabeça.

bjos

Yuri Kiddo disse...

vi toda a cena como se estivesse do seu lado dividindo o fone! e manu chao é FODA!!! tomara q ele venha pra cá no ano q vem. ^^

Acacia disse...

Sempre gosto dos seus textos, Milla! Já tinha lido o texto no seu outro blog.=]

Espero que a enxaqueca tenha passado.

bjos!

ligiazm disse...

nossa... nunca vi um açougueiro, desossador e ex-presidiaro vendendo jujubas no ônibus.

:P

Cristine Bartchewsky Lobato disse...

Talvez tenham comprado mecanicamente, sem ao menos reparar que era pena que sentiam de um homem tão imponente carregando jujubas...

adoro seus textos.
São tão reais!

=***