Eu olhava marcas novas no tecido cada vez mais velho. Vinte e uma marcas feitas sem precisão na única pretensão de excomungar o mal. Tudo começou no metrô, quando senti minha alma saltar de meu corpo, pegar um trem e ir para o outro lado (a propósito, ela deve ter levado minha carne também, porque eu me tornei tão inóspito e cinzento quanto São Paulo - mas não tão grande - e ninguém mais me percebe.)
Corro a minha procura, me encontro mas não me olho nos olhos. Sigo distante. Sigo pegadas nas paredes e teto. A gravidade é ignorada, ela pouco importa. Erroneamente deparo com o espectro de alguém prestes a morrer, como um espelho, e o gosto de doppelgänger¹ me arrepia os pêlos. A matéria é ignorada. Ela e eu. Eu, eu.
Todos temos nossa metade má. Eu me perdi em qual lado fica a minha, e machuco uma metade na esperança de afastar o mal. Eu não sei se a força que corta é a que exila ou a que produz a maldade. Se eu pudesse matar o mundo inteiro, eu faria. Mas estou ocupado demais tentando acabar comigo mesmo. Eu sangro o gosto da vida. Eu bebo e me engasgo.
Eu não sei em quem atirar. Eu só tenho uma bala, é hora de escolher. Em um dos lados eu acerto. Enfim, viverei uma metade em paz.
¹. Entidade do folclore alemão que se assemelha a um fantasma, mas trata-se de um espectro que é o duplo de alguma pessoa ainda viva. Diz-se que se alguém encontrar seu próprio doppelgänger, morrerá em breve. O termo também é usado como sinônimo de "sósia", geralmente com alguma conotação maligna.
Um comentário:
A dualidade não é só do homem, mas de qualquer coisa viva.
Problema é não saber qual matar e qual deixar viver e na dúvida acabar criando um terceiro.
Beijo
*E já disse que adorei esse texto.
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