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segunda-feira, 12 de novembro de 2007

Bilhete

Não que fosse ligar, mas ainda assim manteve o cuidado de avisar quando saiu.
Talvez ainda voltasse antes de sua chegada, talvez ainda nem tivesse saído quando chegasse. Mas assim fez. Dentro da gaveta da arca haviam papéis recortados em pequenos retângulos, próprios para o uso de recados. Dentre todas as cores, puxou qualquer um. Se deparou com o verde clarinho.
Ao encostar a caneta no papel, riscou as frases em poucos segundos.
Saiu e trancou a porta, passou pelo corredor e seguiu o destino.

Quando ele chegou, o sol não mais invadia a cozinha. Não ligou para a luz apagada mas acendeu o cigarro. Chamou seu nome. Ela parecia não estar. Caminhando lentamente se deparou com o bilhete que estava fixo na geladeira. Com os olhos cansados, forçou para ler as letras miúdas, que diziam:

"Embora existam alguns motivos, eu não fugi!

Fui às compras. Tem coisas em falta por aqui.

Talvez até demais. Talvez eu tenha apenas saído com a esperança de encontrar o que acusa falta além no vazio da despensa.

Nessas horas me questiono mesmo sobre fugir. Acho que não o faço por não saber. Acho que só volto por... bobagem.

Se eu demorar e você se afligir, não hesite em me procurar. Me faça lembrar como é ser amada.

Sua. Sempre sua.

M."

Ele hesitou, é verdade. Cambaleou por todas as palavras e sentiu toda a formigação no cérebro. Aquela típica sensação de uma epifania. Demorou para realmente cair em si, novamente. E perguntou-se: "Por onde andava? Por onde havia andado?".

Abobado pelos movimentos repentinos e toda a descarga tempestuosa de idéias, ele tentou dar um passo e sentiu suas pernas bambearem. Depois, quase que ao chão, tentou manter-se em pé. E tentou de novo. E de novo. E de novo. E de novo.
Com muito custo, conseguiu. Agora, com um pouco mais de resistência, caminhou a passos largos, em direção à caneta. Apontou-a para o verso do papel. E rabiscou.

"Não saltei ou saí correndo, porque as pernas que um dia foram boas, hoje não conhecem o peso de meu sustento. Fragilizadas por palavras.

Há tanto esperei. Esperei por sentir minhas pernas sacudirem em resposta à esse coração instável. E hoje posso dizer. Hoje, descobri que esse coração pulsa mais que qualquer outro de dezoito.

Agora que isso me prova. Digo que só não vi por ser dotado de lerdeza. A memória tenta não ser falha, mas as mãos indicam, no suor, toda minha ansiedade em dizer-te. Se a ausência fez-se presente, não foi por querer. Venho tentado me valer ao seu lado. No entanto não percebo o quão estive errado.

Errado em desistir, errado por fugir. Mas se chegares e eu não estiver a mesa, suba correndo e entre sem bater. Não se espante com a bagunça. Talvez você queira ajeitar tudo, com essa mania dos anos. Mas peço que esqueça. Perceba apenas que a bobagem possui nome. Largue-se comigo no chão. E ame como faço.

Pois ainda amo-te. Pedaço por pedaço.

Teu.

P."

...

3 comentários:

Anônimo disse...

muito bom =] daih eu lembrei de rosy and mick, mas nao tem muito a ver, eu soh lembrei mesmo =p

Yuri Kiddo disse...

Hmmm, legal. Gostei, ficou envolvente.

Toad - Matheus H. disse...

Nossa, que paixão!! Que loucura!!! A insanidade tomando conta dos corpos e fazendo esquecer todo o resto!!

O que é ser insano e louco se não ser feliz?

Abraços!

Toad

Ah
http://www.memoriasocial.net/toad/blog_post.html?id=194