-->

domingo, 28 de outubro de 2007

Fim das linhas

Hoje a angústia que percorreu o calendário acordou prevendo sua morte. A jornada que ela cursou mais arrastada do que com alegria denuncia uma última curva, logo ali em frente.

Transitava de um dia para o outro com a sensação de ter a sua perspectiva se esvaindo; nada acumulado pelos números anteriores e nada que pudesse esperar de diferente nos seguintes. A satisfação que poderia ter em deixá-los para trás se limitava na iminente repetição deles que viria no próximo número. Sentia também certo remorso por pensar em admirar o tempo passado em branco, contudo continuava se esforçando para deslizar por entre dias, semanas, meses... até certo momento que ainda desconhecia.

Não lembra quando começou a fazer do calendário uma pista ou, ao menos, quando é que se motivou a acatar essa definição e correr por sua extensão. Agora que se deu conta, está dando seus últimos passos. Pequenos detalhes acumulados nos derradeiros dias lhe deram essa certeza – detalhes que, se fossem avulsos, talvez não fizessem qualquer diferença. A angústia chegou a sentir pequenas alfinetadas ao notar a imensa dose de expectativa contida nesses fatos, só não pôde prever que nas seguintes linhas da tortuosa lista, eles é que seriam os responsáveis pela sua possível aniquilação.

Sabe que seu tempo já é curto e o instinto autodestrutivo a faz abreviar ainda mais a virada das páginas. Tal esforço tem consumido a consistência de seus atributos, tornando-a uma angústia quase neutra. Orgulho nenhum é capaz de conviver com a ciência de sua própria degeneração e vindoura substituição por qualquer sentimento antagônico e muito mais agradável. Um fim para ela é inegável e ninguém tentaria impedir. Pulando toda a parte emotiva e precocemente saudosista do discurso de despedida, a verdade é que da decadente angústia que se desintegrará nos próximos dois meses ninguém sentirá falta.

Seu posto já está vago e são abertas as inscrições para o candidato a lidar com o calendário dos próximos doze.

2 comentários:

Yuri Kiddo disse...

E vai, e vai e vai... E é sem parar. Praticamente um castigo.

ligiazm disse...

desconcentrada demais para ler seu texto :P