E finalmente, como prometi, chegamos a Berlim, que foi uma experiência única e sempre me traz um emaranhado de emoções. Viajei no dia 1º de janeiro, saí debaixo de neve com a mochila nas costas. Trem, avião e de repente lá estava eu, novamente debaixo de neve e perdida. A cidade estava de ressaca pós-ano-novo, e a ausência de pessoas combinada a paisagem branca causava uma sensação estranha, quase como se eu não quisesse estar ali de verdade, sabe, tristeza.
Na porta do quarto tropecei, fiz o maior barulho e acendi a luz logo gritando um “I’m sorry” ao ver alguém dormindo lá dentro. Pra minha surpresa a resposta foi: “Pode acender, já acordei”. Ela olhou pra minha cara, assustada por eu ter entendido, eu pra dela, exatamente pelo mesmo motivo, e a gente riu! Não lembro seu nome, mas ela estava viajando com o ex-namorado-melhor-amigo pela Europa, e após passar o reveillon em Berlim, voltaria para Barcelona, onde morava e estudava.
Depois de me livrar das três calças e cinco blusas que eu usava na esperança de não passar frio, fomos comer, eu, ela e ele. Apresentei-os ao Kebab, a mais famosa e popular comida turca de uma Alemanha invadida por turcos, que não passa de um churrasco grego de gato importado feito em pão sírio com várias verduras. Não há nada mais gostoso e barato que o Kebab, lanche preferido de estudantes com pouco dinheiro e estrangeiros pobres.
Depois de alimentados, a balada seria com os poloneses, que iriam para uma tal casa-sex-shop com música bacana, mas que, bêbados e perdidos, nos levaram a um estacionamento fedido e sem graça. Passou pela minha cabeça que talvez a intenção fosse ficar dançando ali, mas desistimos de tentar entender e de passar frio, fomos dormir. Acordei no dia seguinte e achei um bilhete, ela me deixou seu telefone e endereço, pedindo uma visita que eu nunca fiz. Infelizmente, e com grande pesar, a Espanha ficou fora do meu roteiro.
Ainda não nevava, resolvi sair para meu passeio de reconhecimento. Na frente do Portão de Brandenburgo descobri uma tour guiada, e gratuita! Entre australianos, japas e brasileiras eufóricas (das quais eu mantive distância me fingindo de gringa) passei pelo Memorial ao Holocausto, pela Exposição do Terror e pelo Museu do Muro. Mas nada me chocou mais do que aquela calçada. Ali, no meio de uma rua normal, entre prédios e carros, ele tinha se matado. A insignificância do local era proposital, evitaria neonazista. Naquele lugar tudo parecia ter sido contaminado pela morte, mas flores não cairiam bem. Registrei a foto do chão, pois do bunker nada restou.
Meu amigo de Paris chegaria no dia seguinte, em boa hora, não sei se agüentaria mais um dia sozinha ali. Esperei por uma eternidade na estação sem achá-lo, e já quase desistindo da companhia, o encontrei sentado entre mapas, perdido em alemão. Fomos direto para o Hostel, a neve impedia grandes projetos. No dia seguinte eu fui a guia, e rodamos Berlim nas minhas palavras. E eu ri, me perdendo no metro, buscando Nefertiti, escrevendo em papiros, passeando pela Macedônia, pulando de museu em museu. Quando anoiteceu e esfriou, faziam quase 15 graus negativos, passeamos de ônibus, observando pessoas e seus reflexos no vidro.
Infelizmente ele foi embora me deixando com tempo de sobra. Eu andei sem rumo novamente, e desisti dos campos. Talvez hoje não fizesse o mesmo, mas a situação me obrigou. Meu avião partiu a noite e, depois de esperar três horas no aeroporto por causa da tempestade de neve – maldita neve, voltei. E não era para casa, porque ainda teria de esperar seis meses para isso. Tanto a dizer, e um coração mudo.
domingo, 28 de outubro de 2007
Triste alegria
Postado por De Lancret às 22:02
Marcadores: Talita Galli
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6 comentários:
nossa!! juro que quando comecei essa edição eu pensei "poxa, a Branca nunca mais contou das viagens... e era ali que eu mais gostava dela e a conhecia sem me intrometer". Voilà! E aqui! =D
Como eu já tinha lido em primeira mão(ahaha exclusividade, coisa chique) e já tinha dito que adorei eu só vou deixar aqui registrado que gostei mesmo tá?
O título ficou lindo e melancólico( era essas a palavras que eu queria dizer ontem mas não vinha) e vc amarrou o final muito bem.
"Tanto a dizer, e um coração mudo."
Impossível imaginar tudo isso em outras palavras Tata.
=)
Você sabe que eu adoro suas histórias da Europa, né!
O texto tá muito bom e a experiência se descreve na ultima frase.Adorei Tata.
beijos
Tata,
me senti dentro da sua viagem, a riqueza de detalhes torna o texto atraente e prende a atenção de qualquer um!!!
Muito bom, mas a qualidade não me surpreendeu, afinal, VOCÊ SE CHAMA TALITA!
=D
textos assim me dão muito mais vontade de sair do país.
filhadamãe. eu não tenho dinheiro pra isso :P
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