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domingo, 28 de outubro de 2007

Sobre o deslizar do óbvio

Não foi por outra decisão mais remota que descobri o que então era puro fato. Engraçado como as coisas acontecem e como os sentimentos chegam até mim. Poderia apontar, sem a menor dificuldade, algumas pessoas que conheço e que fazem da escrita quase que uma necessidade fisiológica. Eu não sou uma delas.

Enquanto meus pés ainda se pronunciavam e tentavam se manter em equilíbrio, sentia nas mãos formigamento de por no papel o pouco que meus olhos vivenciavam. Mas não em palavras. Eram em traços que meu mundo tomava forma. Traços independentes, a dança do giz de cera no sulfite e o colorido do lápis na superfície branca de qualquer escala de cinza que fizesse o coração pulsar menos. Enquanto o compasso dos gestos viviam suas formas sem nem uma ponta de percepção, eu tentava registrá-los em linhas que eram tão vulneráveis quanto minhas vontades adolescentes. Não sei se o resultado era realmente bom, mas era assim que eu fazia o universo tornar-se harmônico pra mim.

Mas o tempo - sempre, sempre, sempre o tempo - traz mais que só folhas brancas de papel. Traz os rasgos, a sujeira e os amassados. E fazer qualquer traço que valha, parece não ser mais tão simples assim. O coração fica amuado com tanto branco e preto. O tempo impede que a cor se espalhe e a mão dá o sinal de fraqueza.

Quando cheguei aqui pra ocupar esse espaço de letra e sentido, percebi o que me fazia perder o senso. Cavouquei os neurônios e tentei desenterrar as idéias, mas nada parecia convincente. O cérebro havia se acomodado ao confortável caminho que os dias seguiram e só uma nova semana será capaz de tirá-lo dessa condição.

Foi então que uma idéia surgiu. O mais fácil sempre está na cara, mas a mania de complicar insiste em ocupar espaço. E tentei arriscar o meu "fácil". Não seriam palavras, e sim, imagens. Todas as que me acompanham. Todas as que me fizeram colocar no papel, o desabafo de quem encontra conforto nas palavras, quando se depara com as novidades soltas no mundo.

=

E só assim minha mão parou de formigar, meu cérebro respirou e tudo voltou ao normal.

3 comentários:

Yuri Kiddo disse...

Há quem diga que só escreve quem não consegue pincelar.

Eu sou um deles.

Milla disse...

Confesso que fiquei quase triste de saber que vc não acha a escrita uma necessidade quase fisiológica.Porque vendo a qualidade dos seus textos é difícil acreditar nisso.
Mas seja como for o seu texto ficou perfeito, seu desenho é único e tem sua identidade.
Adorei esse seu post Bru.
Não precisa deixar a mão formigar por tanto tempo tá?

E concordo com o que o Yu disse.

Saudade.
Beijo

Lígia Ruy disse...

Pode até ser que a escrita seja uma necessidade fisiológica para mim. Mas está associada a tristezas. Escrevo melhor triste. Preferia não ser triste e não escrever. Mas ok, deixemos isso pra lá porque a arte ficou perfeita neste post. Seus desenhos, sem comentários, o texto ficou excelente.

beijos