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quinta-feira, 4 de outubro de 2007

Não te queimo

Achavam que me conheciam ao me dar condolências, mas se de fato soubessem quem eu realmente era não o fariam.

Nunca me importei com formalidades e convenções e ele também nunca ligou para nada disso.

A nossa relação era singular, nem sempre éramos verdadeiros um com o outro, mas isso nunca nos distanciou. Assim era a nossa forma de respeitar o espaço alheio, uma mistura de respeito, carinho e omissão.

Muitos o achavam esquisito e quando ele reclamava disso eu sempre dizia que considerasse como um elogio e acabávamos concordando que pessoas normais e previsíveis nos cansavam demais.

Ele me irritava porque nunca cedia em discussões, sempre me desafiava e passávamos horas assim.

Em uma dessas longas conversas eu disse que queria que tocassem flautas no meu enterro e ele me achou mórbida e retrucou dizendo que não faria diferença alguma, porque depois de morto não se ouve, não se vê e nem se sente nada e para garantir que essa ausência de sensações se concretizasse ele queria ser cremado.

Sempre achei a idéia de cremação pouco romântica, não há tumbas, não há corpo para posteridade, não há nada, só o que resta é um pote com cinzas, “oras se é isso o que deseja que limpe cinzeiros” foi o que eu disse a ele.

Naquela falação eu prometi que o cremaria e ele que eu teria as minhas flautas.

Pois bem, e agora, aqui nesse sofá, eu, como já fiz antes, menti pra ele e não cumpri minha promessa.Eu me levantara, errava pelo apartamento com alma de incendiário; infelizmente nunca lhe toquei fogo.

Ele foi enterrado e eu não terei minhas flautas, mentirosos que somos.

4 comentários:

ligiazm disse...

o começo foi lindo e o final ficou tão triste :~
aihnn...

Toad - Matheus H. disse...

Eu juro que queria ter conhecido ele.
Apesar da certeza de que ele não iria gostar de mim, eu iria gostar dele!!

Ogami disse...

Bem denso Milla.
Gostei do texto!

~Keepwriting~

Yuri Kiddo disse...

hmmm nas primeiras linhas matei que era seu!

final ducaralho!