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segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Sadismo folião

Olhe ao lado e veja se a tortura que jaz ali dói em mais alguém. A cinco metros de mim o descaso derramou lágrimas e aqui nem fez cócegas. Mentira. Tanto fez que eu ri em demasia, sem vestígios de remorso.

Aquelas pontadas de compaixão me abandonaram hoje permitindo que ressaltasse um pouco da lucidez omissa. Gargalhar do desespero vizinho realmente me pareceu mais sensato do que tentar ser compreensiva, caso não fosse sincero. Ressentimento vingativo e ácido, contudo, decorrente de motivos que não atingiam a mim. Além de tudo eu poderia mencionar a intromissão de quem se deixa atingir pelas tangentes.

Entendi as razões, me coloquei na situação sofrida do martirizado e constatei que estaria tão perdida quanto ele; não me sensibilizei e ri ainda mais. Monstruosa com convicção, percebi que gostava de estar tão livre para abominar e decidi por à prova o meu sangue frio. Cutucar a ferida parecia bom enquanto eu não sentia, pois a aparência do sangue cintilava tanto quanto meu prazer em provocar a hemorragia. Foi reconfortante lembrar que tal insensibilidade não se aplica a tudo - sendo, na verdade, muito específica para esse episódio - de forma que eu me senti obrigada a levar aquilo adiante e não desperdiçar a oportunidade.

O som da risada aos poucos era abafado por uma fumaça densa que se propagava ao meu redor quando saía da minha boca junto a labaredas de fogo. Eu estava circundada pelas chamas de satisfação que havia exalado sem me dar conta, assim como ninguém mais parecia perceber as cinzas que substituíam a mobília do ambiente. O descaso já não era só meu, mas aparentemente era a única a tirar proveito dele.

O horror e a aversão que usualmente eu teria à minha atitude, agora complementavam o divertimento: eu já estava dançando em cima da mesa, delirando com os murmúrios de tristeza. O fogo ao redor era a muralha que me impedia de ser vista, mas o que eu queria era contagiar todos com a minha alegria ainda que ela estivesse enraizada em amargura.

Seria hipocrisia se me dissessem que estava errada. Ao menos ali, eu detinha a razão e agora fazia uso dela para que os demais aproveitassem. E isso, sim, soava sensato... eu tinha certeza naquele momento.Logo propunha um ritual, no qual avulsos se uniriam em favor da deterioração do bem estar de alguém.

Festança sádica dos vingativos reprimidos, mera insanidade que atordoa e delicia.

4 comentários:

Ogami disse...

Ensaios profundos de uma guria que curte o bom e velho rock e me deve um pedaço de chocolate.
Não tem como não gostar.

Nananinanão.
~keepwriting~

ligiazm disse...

muito bom. muito, muito bom!

Yuri Kiddo disse...

PQP Ana Banana! P-Q-P!
"enraizada em amargura" mesmo.
um sadismo violento, vingativo e insano.

"Festança sádica dos vingativos reprimidos, mera insanidade que atordoa e delicia."
foi a melhor, genial.

Texto muito bem escrito. Levou a minha estrelinha.

=D

Acacia disse...

Bem imagético esse texto...

Gostei, Ana!

Beijo!