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segunda-feira, 10 de março de 2008

Com gosto de realidade

Lá vai ele caminhando sem pisar no branco do quadriculado, cantando bem alto em ruas de gente avulsa e silenciosa, brincando com a maleabilidade de suas expressões faciais.

Dumberto não se importava em não ser usual e nunca se importou. Perdeu o interesse pela escola quando o reprimiram, na 1ª série, por seus erros de ortografia. Indignava-se com a valorização da forma sem que ninguém se preocupasse em absorver a essência do que produzia. Não aprendeu a ler direito e, aos 29 anos, ainda lia a seção de piadas do jornal fazendo grandes pausas silábicas com uma régua sob as linhas.

Limpava a boca na toalha de mesa, corria de meia pelo corredor para pular no sofá e dançava em qualquer lugar – com ou sem música – desvairadamente. Dumberto não se importava com o imoral e nunca se importou. Perdeu seu primeiro emprego por nunca deixar barato nenhum dos tapinhas no seu ombro que excediam um pouco o limite de força. A primeira namorada o deixou depois do 12° glorioso dia sem banho. Os amigos evitavam sair com ele para lugares muito movimentados por causa da sua habilidade de encaixar qualquer tipo de objeto nas narinas e soltá-los sem usar as mãos.

Andava com roupas coloridas, muito estampadas, e gostava de incorporar os personagens de quadrinhos das camisetas que vestia com acessórios característicos. Não combinava as peças que usava, mas costumava escolher todas as que mais gostava para usá-las ao mesmo tempo. Dumberto também não se importava com aparência e nunca se importou. Só fazia a barba ou cortava o cabelo se alguma sujeira grudasse e não saísse mais. Não lavava o rosto pela manhã e só escovava os dentes quando alguém o lembrava.

Dumberto era essencialmente Dumberto. Em qualquer ocasião acabava se esquecendo do que não podia ser ou fazer e acabava sendo Dumberto. Nunca se importou porque não considerava existir uma maneira de deixar de ser ele mesmo. Certamente se conhecesse tal hipótese, não a levaria a sério a menos que fosse para se tornar um super-herói.


“ If I told you what it takes
to reach the highest high,
You'd laugh and say 'nothing's that simple'
But you've been told many times before
Messiahs pointed to the door
And no one had the guts to leave the temple!

I'm free, I'm free
And freedom tastes of reality
I'm free, I'm free
And I'm waiting for you to follow me.

How can we follow?
How can we follow? ”

(The Who - I'm free)

2 comentários:

junior disse...

As vezes ser egoísta é o melhor modo de salvar o mundo. O melhor para si, logo, o melhor para o mundo? "Silogisticamente" falando, simples assim.

Ou sei lá.

• Yuri Kiddo • disse...

Dumberto é apaixonantemente desajustado porque conseguiu fazer com que acabasse(m) com seu superego. Maravilha. Ele está no caminho certo... espero chegar lá um dia.