Minha garganta dói. A vida escorre pelas minhas entranhas. Sem opção, deixo de respirar o ar dessa cidade poluída. E a escassez de qualquer razão começa a me desesperar. Sinto falta do meu passado.
Algumas coisas fizeram-se em pacotes e saíram em estradas desconhecidas. A cada esquina procuro o meu passado e não encontro nada. Só um monte de presente atravessando a rua sem notar os carros passar. Evito movimentos bruscos. Contenho algumas palavras e mantenho algumas pessoas por perto.
Avisto suas costas naquela mesa torta. Madeira pesada. Uns riscos e uma vela iluminando suas letras. Você sempre rabisca coisas, e eu as leio quando você se levanta para apanhar alguma coisa no quarto ao lado. Decifro suas palavras e disfarço a minha dor de garganta enquanto as engulo. Elas queimam e atingem o lugar certo. No instante seguinte você volta. Senta na sua cadeira também torta, e continua sem notar que te espio. Olho todas as noites suas palavras sendo pregadas nestes pedaços de papel.
Ando até você. Seguro as suas costas. Aperto seu pescoço. Você sente alguma coisa. Seu corpo estremece e a sua mão expulsa a minha. Toma seu pescoço para si. Massageia os cabelos na tentativa de expulsar a dor fina, com a qual te presenteei enquanto lhe dava minha força. Você olha para trás. Procura meus olhos nessa sala escura. Só essa vela idiota nos empresta luz.
Nada. Não há nada. Você não nota a minha presença e acredita que todas as palavras são só suas. Tenta em vão explicar aos outros as suas diferenças. O quanto você destoa do mundo. Explicar, até mesmo, suas imperfeições. Agressões gratuitas e algumas merecidas. Censura montada em roupas boas. O bom gosto envolto de merda atirada pela janela de alguém. Todo mundo que sofre e te faz bem. Os que escrevem e emprestam inspiração. Os que cantam e emprestam ritmo. O compasso, aquela coisa infantil, desenha a roda da vida. Enquanto você sai do centro. Do seu centro.
Amanhece lá fora. Caminho até ao seu lado para apagar essa vela. Você continua curvado ensaiando rabiscos. Amasso as folhas enquanto procuro seus olhos. Você não me percebe. Não percebe que tomo conta de você. Todas aquelas noites sem explicação, as quais passei com a cabeça nos seus joelhos, com um lenço para secar suas lágrimas no escuro desse quarto. Procuro os seus iguais. Vivo por você, enquanto você se perde, injetando verdade nessas palavras.
Explico para alguns essa sua falta de explicação. Sua aparência feito maquiagem. E suas palavras carimbadas como passaporte. O céu está azul lá fora. E este quarto começa a me sufocar. Te sigo até o corredor. Aumento o chuveiro. Te apresso com sussurros. Escolho uma roupa e a deixo em cima da sua cama. Vamos sair. Para longe. E só voltamos com a coragem debaixo do braço e a verdade dentro da carteira. Enquanto houver medo ou mentiras rondando esse quarto frio. Te enfiarei no inferno da solidão. E você queimará até sucumbir as minhas vontades.
Ouça. Me ouça. E no fim, acabaremos com aquela garrafa de conhaque parada ao lado do microondas. Ele queima e atinge o lugar certo, assim como suas palavras, em poucos minutos encontramos algo. O centro. O seu centro. O meu centro. O nosso centro. Nós dois. Um só. Só eu ou só você. Dois em um. Um par com um corpo. E um corpo sem par.
domingo, 15 de julho de 2007
Sem par
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11 comentários:
corpo, alma, consciencia...juntos?? separadoss???
te amo
Beca
Suellen é gênio!
já disse isso, mas sério! não sei bem o pq mas os textos me trazem alguma coisa boa, deve ser identidade, sei lá!
"Algumas coisas fizeram-se em pacotes e saíram em estradas desconhecidas." foda!
=**
Bueno =]
O homem é um ser social por natureza né?Não vivemos sozinho.Sem par.
Ótimo texto Su.
gosto da sutileza que você coloca em toda essa situação por mais intensa que seja, tem um peso extraordinário em todo o texto
fabuloso, su!
bem... muito bonito tudo isso que você disse!
vc diz tudo isso pra quem tem que dizer? isso é o mais importante.
e se você não tiver ninguém pra dizer essas palavras bonitas e tristes, tenho certeza que muitos como eu, vão se identificar com elas!
bjo!
Mas é o Lynch das palavras!
Genial. Simplesmente.
Nada... o Lynch não faz sentido como um todo (quem diz que entende está mentindo). E você faz todo o sentido. Mesmo quando acha que não faz. E mesmo que dessa vez nem todo mundo tenha entendido.
E ó... Lynch não faz sentido como um todo, mas em pedaços chega lá.
"No hay banda! There is no band. It is all an ilusion… and yet we hear a band."
Encaixa.
AMO.
=*
amo sua forma de escrever :)
eu adivinho quando os textos são seus. é impressionante!
"Algumas coisas fizeram-se em pacotes e saíram em estradas desconhecidas."
e eu adoro mesmo quando as coisas ganham vida. isso tem nome no português, mas me foge da memória agora :P
Personificação, Ligia
Suellen, parabéns!
lindo texto, Sue!
fikei aki pensando na solidão e nos meus fantasmas......
=/
bjs
Você tem nove comentários!
Poxa... divida mais as coisas com os seus amigos!
Brincadeira...
Gostei deste texto também, pra variar.
Vai, que um dia se chega lá...
Já disse o que acho. Intensidade. Você põe intensidade e é tudo tão simples e tão caótico...
Está no hall dos meu escritores favoritos!
Bju muié, até segunda.
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