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quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Na distância do quintal

Por alguma razão, até hoje não desvendada, ele sentia a necessidade de viver dias de frio com música dramática em tardes nubladas. Não que fosse porta aberta em direção ao cômodo da tristeza. Mas talvez dançar sobre seus erros, invés de jogá-los na mesa, trouxesse a saída de forma mais clara e confortante.

Inventava então de abrir a janela e observar as cabeças que passavam por luzes fixas dos postes de mercúrio. Se acomodava embaixo do cobertor xadrez que tanto esperou pra ser retirado do armário. E quando muito se sentia entediado, pensava no vazio que todo o quarto parecia ter arrumado para inserir a idéia de que hoje ele não conseguia nem preencher um cômodo.

Foi pelo movimento da vida lá fora que percebeu do que o coração reclamava. Não era o tempo gasto em horas vagas. Não era dia sem trabalho ou choro preso. A saudade era exposta onde a felicidade fora escondida. Atrás do tempo e da superficialidade que o bafo quente do suspiro tomou forma e dissipou-se no ar gélido.

Se não fosse tudo, seria o que pesava. As idas e vindas, o tênis gasto em ruas disformes. O suor, a calma, o barulho e o trânsito pesavam. Ainda se fosse peso leve, desses em que carregar não acarreta o doer, tudo bem. E no fim até mesmo fosse. Mas não mais tudo bem. Seria agora por acumular o cansaço.

Pensou nas tantas viagens que fizera e lembrou do resultado dos anos que as horas trouxeram. Horas, nunca o bastante e agora o tanto. E por mais sentido que fizesse, a dor teria nome. "Sofre de saudade", lembraria tia Ana. Mas não era de tia. Não era de parente nem de nome. Tinha textura e som gostoso; era cheiro de bolo no forno, joelhos ralados, tardes alaranjadas, castelo de areia e risos mal contidos.

Por não saber conceber a situação, o olhar envergonhado de si mesmo percorreu todo o quarto. Lugar agora cheio de muitas palavras, números e pouca cor. Talvez atrás das portas de madeira-imbuia a memória trouxesse a maneira de matar o peso. Num conjunto de movimentos quase esquecidos, ele abriu a caixa com estampa de retalhos que nunca havia migrado de lugar desde que fora trocado o móvel.

As mãos trêmulas denunciavam o balanço do coração. Cada parte de uma história passada e cada resto de tempo rabiscado em papéis e objetos simples de significados complexos. Tudo ali. Ou quase tudo. Foi com grande apreço que alcançou uma concha de velhas horas. Fez tudo como era, fez como fez da primeira vez.

E o som do mar era realmente compensador. Poderia ter tudo ao redor trazendo o caos, os dias sem cor, a cidade claustrofóbica e o assombro por saber que o tempo também trará o fim. Mas a nostalgia detalhada por um momento de alegria, dissolvia todas as opções onde a esperança não reina. Mesmo que pudesse fingir a vida de forma bem vivida, não se importou em lembrar se fora o sábado ou a feira.

Contentou-se em saber que era esperança
trazendo o calor das tardes alaranjadas. O coração de vermelho quente e as pálpebras reconfortando as tristezas passadas. Urgência de refúgio pra eternidade. Atenção às formas de manter o plural de felicidade em moldes de pequenas coisas. Leveza no ar do abismo.

4 comentários:

Yuri Kiddo disse...

li suellen. me enganei. droga.

"era cheiro de bolo no forno, joelhos ralados, tardes alaranjadas, castelo de areia e risos mal contidos."

me imaginei nisso tudo. me senti um poquinho melhor. e isso é difícil de fazer, me arrancar um sorriso assim, sem pretenções... valeu bruno. Valeu mesmo.

ligiazm disse...

amei. muito, muito bem escrito!

Suellen Santana disse...

"If you want money in your pocket
And a top hat on your head
A hot meal on your table
And a blanket on your bed
Well today is grey skies
Tomorrow is tears
You'll have to wait til yesterday is here"
tom waits por catch pouér.


paunocunobloguequemeboicota.
escrevo de novo e de novo.
e de novo.

milhares de vezes, quantas forem.
porque o texto ficou foda.

bruno, você é jóia. =)

me lembra segunda que eu te tenho uma proposta, não sei se vai interessar, mas eu acho uma boa.
=)

beijobrunolds

Toad - Matheus H. disse...

" a cidade claustrofóbica e o assombro por saber que o tempo também trará o fim. Mas a nostalgia detalhada por um momento de alegria, dissolvia todas as opções onde a esperança não reina. Mesmo que pudesse fingir a vida de forma bem vivida, não se importou em lembrar se fora o sábado ou a feira. "

P-E-R-F-E-I-T-O!!!

Adorei cara!! Penso de forma semelhante!

Saudade, porra!!