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domingo, 15 de junho de 2008

Momento de um lapso onírico


O lunático acordou e o dia ainda não parecia real, mesmo com o sol incidindo diretamente nos seus olhos e o cheiro de café fresco que vinha de fora adentrando sem licença pelas narinas dormentes. As dobrinhas do cobertor eram intermináveis como um labirinto para quem fazia parte delas, impedindo a libertação da cama.

Olhava e traçava mentalmente o caminho a ser feito pela cabeça do travesseiro até a porta. Nem era tão longo, mas ele não estava confiante a respeito dos obstáculos que deveria vencer. Uma saga de ponta a ponta do colchão.

Começando pelo imenso lago pastoso execrado pelo sono, o lunático vencia a dificuldade que sempre teve de nadar e o medo de animais aquáticos. Ele não chegou a vê-los, mas sentiu que o movimento de seus braços e pernas pode ter acordado e até injuriado alguns deles na profundeza. Já em terra firme, era necessário escalar as rochas açucaradas sabor chocolate e baunilha dos cookies da sua avó.

Eram muitas as montanhas, irregulares e escorregadias, que sabia que poderia ter evitado usando um prato na noite anterior. Ao final, chegava a uma plataforma perigosa. Um campo minado, com armadilhas bem distinguíveis, onde cada passo em falso ativava explosões de luz e som em uma caixa próxima dali. Precisava ter cuidado para não ser atingido por elas e adquirir seqüelas mentais.



O lunático atravessava selvas de algodão, malha e lycra e já conseguia ver a saída do labirinto. Seguiu até a última costura do colchão e notou a imensa distância que ainda o separava da porta. Milhares de outras barreiras, como se tivessem tantas outras camas pelas quais passar até o fim do sono.

Não sabia mais até onde continuar por desconhecer o outro lado da porta. De lá, só tinha ciência do café e nem na veracidade de seu cheiro conseguia confiar agora. Mas talvez qualquer coisa valesse a pena. Para o lunático não interessava se era apenas um deserto por lá. Livrar-se da cama e acordar em outra perspectiva valia os novos riscos. Seguia, então, pela carreira de fios de borracha que levavam a duas extremidades arredondadas e barulhentas. Subiu no próximo travesseiro e lá conheceu uma nova cabeça para acompanhá-lo.


Imagem: Capa do álbum A Momentary Lapse of Reason (1987), do Pink Floyd – o primeiro após a saída oficial de Roger Waters.

Labyrinth: Filme de Jim Henson (criador dos Muppets e dos bonecos da Vila Sésamo) lançado em 1986, com David Bowie e Jennifer Connely. Este foi o 15° filme em que Bowie atuou e no qual realmente incorporou seu título de camaleão.

Um comentário:

Yuri Kiddo disse...

Bela leitura e junção de histórias. O Lunático já foi minha personagem durante algum tempo. Gostei do surrealismo.