Os cantos caracterizam. Mais do que a altura, o comprimento, a espessura, a textura, o material, a cor ou o odor, os cantos delimitam um tempo: A embalagem ganha seu fim em cada contorno: ali ela acaba para recomeçar mais adiante; A frase tem sua pausa a cada pontuação, que em seu formato já representa uma linearidade interrompida; Pessoas têm suas diversas curvas estabelecidas pelo que pensam, sentem ou fazem em diferentes momentos de suas vidas.
Não mero ponto convergente que também diverge, o canto sintetiza todo o processo de transição considerado desinteressante. O miolo do pão francês, por melhor que seja, nada seria se não existisse a superfície torrada. É ela que caracteriza a receita; o miolo é uma conseqüência. Até mesmo porque se não houvesse os cantos da superfície a serem tostados, o miolo é que seria e, nesse caso, perderia suas atribuições.
Mas ninguém se importa com a história da preparação do pão comprado, todos identificam o detalhe mais relevante na estética dos cantos dele. Assim também acontece na escolha de frutas em uma feira ou na compra de um carro usado. É como se eles narrassem o trajeto de determinado material apenas denunciando uma possível deformação.
Hoje em dia atenuam-se os cantos das pessoas. Na intenção de omitir o tempo que os formou, simplesmente são tirados de seu devido lugar de maneira indigna. Eles representam um certo período que não pode ser anulado e nem o seria se fosse uma questão de textura. Mas o fato é que cantos são mais maleáveis do que qualquer outra característica. Aliás, é perceptível até um certo desrespeito com alguns que pareciam imutáveis, como o da melancia que acatou a inovação de ter só quatro em lugar de seus inúmeros naquele tradicional formato esférico. Enfim, delírio cubista dos chineses.
Não sei exatamente até quando é aceitável a tolerância com a alteração dos cantos já acomodados. Percebo que isso pode desencadear uma reação incontrolável de mudanças conceituais, afinal, mal conseguimos estabelecer alguma definição sobre os cantos e agora já se pensa em generalizá-los. Evito a homogeneização que se dá pelos arredondamentos insistindo em permanecer nestas quinas avessas.
segunda-feira, 19 de novembro de 2007
Sobre cantos
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7 comentários:
Nossa Nana.
Nunca vi nada demais em cantos mas vc conseguiu prender minha atenção com esses seus "cantos".
Adorei o lance dos pães e a citação das melancias quadradas como um "delírio cubista dos chineses"
Hahaha ótimo!!
Muito bom.
Beijo
ahá! e sabe que até a metade do texto eu ainda tava pensando aonde que se encaixavam as tais pessoas cantando!
e então eu percebi que eram outros tipos de cantos!
quanta imaginação ana! cantos! que pessoa criativa, céus!
=**
Eu acredito que a analogia aos cantos foi feita de forma bem interessante.
Eu sempre preferi o miolo.
Talvez um dia eu me preocupei demais com a casca do meu pão. É fácil se preocupar com ela. Tá na vitrine.
Claro que é importante, mas percebi q não mais importante que um delicioso miolo, molhado em manteiga e leite.
E assim, a casca passa a ser apenas um complemento!
Bjs!
Toad
Eu gosto do miolo, mas nunca parei para pensar que fosse conseqüência da casca assada em cima. Muito bom o seu texto.
Ninguém repara muito nos cantos. E alguns, juntam um pouco de pó por essa razão.
elementos parnasianos, metáforas culinárias, anulação de características singulares (vc denunciou na ultima frase).
o mundo é generalizado culpa da corrida canibal? ser saudosista é bacana, mas encarar a tendência é o mais corajoso. não é o fim das particularidades... e sim o aumento e convivio muitas vezes forçado com mais delas. vide clocalismo...
perdi ou deixei de lado alguma coisa?
ps: melhor melancias quadradas do que geladeiras redondas.
dahora.
Aninha, que belo texto!
mostrou uma leveza que eu sinto quando te olho.
O texto parece ter sido feito como um bolo ou algo do tipo, e você usou os ingredientes certos. HÁ!
Parabéns, adorei.
E finalizo como o "rei da estrada" aí em cima:
dahora.
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