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segunda-feira, 24 de março de 2008

Para sempre

Ele olhava para aquelas barras e todo dia a ouvia chamar. Com um olhar afoito procurava por ela e a encontrava sempre com os cabelos cada vez mais negros.

Ela sempre usava um vestido diferente, todos o agradavam, só não gostava do modo como eles se revelavam toda vez que ela ia embora. Ele passava a mão nos cabelos dela e sentia seus dedos e sua vida escorregarem naqueles fios. Ele sabia. Ela sabia.

- Eu não consigo me ver sem você, meu queridoela disse.

- Ah eu também não vivo sem você ele respondeu.

- Não me iluda, não sou cega. Você consegue ficar sem minha presença – e como em todos os dias ela perguntava a mesma coisa, naquele tom melancólico e de súplica.

- Porque, meu querido? Porque, meu amor? - ele abafava as palavras dela com um beijo de perdão. A pergunta o torturava mais do seu próprio feito.

Ele teve medo daquele dia que resultava sempre nas perguntas da mulher que amava. Ela sabia claramente o que houvera, só não entendia e por isso continuava perguntando.

Muitas vezes ele não conseguia evitar que ela formulasse sua pergunta por completo e tinha que responder. Esclarecer o que carecia de explicação e dizer tudo o que não queria.

- Eu sempre a amei, por favor, nunca duvide disso, eu ainda a amo. Naquele dia eu vi sua foto na nossa cabeceira. Você lá, linda e sozinha. Eu não estava ao seu lado e você parecia incrívelmente feliz. Sozinha.

- A imagem me atormentou por horas até que não tive mais escolha. Eu fui até você na beira do riacho e a vi, linda, perfeita, lavando nossas roupas e sabe, você estava sozinha.

- Sua individualidade ria do meu amor, provava que eu não era nada. O que fiz foi um gesto de amor, eu perpetuei nosso amor, entende?

- Está vendo como deixou meu vestido? Você disse que gostava de meus vestidos, mas olha o que fez com todos eles – ela disse balançando a cabeça e repetindo sua pergunta.

- Porque, meu querido? Porque, meu amor cravaste em mim teu punhal? Meu peito tão jovem sangrando assim, porque esse golpe mortal?

E mais uma tarde ela ia embora com o vestido sujo de sangue e os cabelos cada vez mais negros, como um espelho do que sentia.





"E eu preso aqui nessa cela

Deixando minha vida passar
Ainda escuto a voz dela
No vento que vem perguntar:
"Por que, meu querido
Por que, meu amor
Cravaste em mim teu punhal?
Meu peito tão jovem sangrando assim
Por que esse golpe mortal?
Cravaste em mim teu punhal
Por que esse golpe mortal?"¹





¹Idéia original e frase de Raul Seixas – À beira do pantanal

5 comentários:

Toad - Matheus H. disse...

Vou dizer aqui a mesma frase que disse quando eu ouvi a música pela primeira vez:

Doentio e desnecessário.

Passo.

Janaína Pupo disse...

Adorei...
Texto profundo...realmente toca.
Por amor... ele matou por amor?

Te amo mas não cravar punhal nenhum em vc ta?hahahaha.

Anônimo disse...

Um texto que angustia, e te leva pela mão para observar a dor, sabe? Particularmente, eu não gosto desse sofrimento.

Porque eu acredito que ao menos em palavras, a gente pode fugir da dor, criar a ficção e levar pra vida, e nela mudar na as peças que tornam as coisas mais simples. Mesmo que tudo seja só a complicação, e exista individualismo em todos, até porque se não existisse ninguém viveria junto. Sem as particularidades. Um levantar brusco porque você quer e não importa se o outro quer ficar sentado a vida inteira. Essas coisas que se despregam de si e ganham o mundo.

Eu acho que se chega a esse ponto de ser um punhal, já era pra não ter sido há muito tempo.

Me empolguei, oi.
Mas te devia um comentário há séculos =)
Mesmo que seja só pra discordar. O texto tá bom pracaraleo, mas a idéia não me agrada. Eu sou mimimi, oi.

ah, que falta desse ser de roupa preta, céus!

Beijo Milla

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.
Odair disse...

Fez lembrar os poemas do romantismo.
A imagem de um casal que se une e que não consegue se desvencilhar da companhia da morte - destruição que apazigua a angústia - é, de um modo peculiar, bonita.

Ótimo texto, Milla!